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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Marilena Chauí e o neoliberalismo

A professora Emérita da USP e filosofa Marilena Chauí — ex secretária municipal de Cultura de São Paulo durante a gestão Luiza Erundina (1989-1992) — participou no último dia 14 de setembro de um seminário internacional patrocinado pela Fundação Perseu Abramo onde se debateu as “Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar”.
Ao seu lado estiveram presentes o ex-ministro de Relações Exteriores da França, Dominique de Villepin, o ex-Primeiro Ministro da Itália, Massimo D’Alema, o ex-Diretor Adjunto da UNESCO, o senegalês Pierre Sané, e Jorge Taiana, ex-Ministro de Relações Exteriores da Argentina. No início de sua palestra, a professora Chauí ousou dizer que não entendia nada de multilateralismo, mas que poderia falar da questão democrática, que ela assegurou ser a “sua praia”. Na verdade, como se poderá ver em seguida, ela tem ideias muito bem desenvolvidas não só a respeito do multilateralismo, mas dos processos em curso de aplicação do neoliberalismo no mundo e no Brasil.
A professora Chauí começou sua exposição contextualizando a crise na qual o país está engolfado depois do golpe perpetrado contra o mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff, em fins de 2016, como sendo um momento trágico. Disse que o Brasil vive um processo de desinstitucionalização da República e de desmontagem da democracia sob a égide da economia política neoliberal. Em seguida, Chauí procurou conceituar o significado de dois termos importantes para sua argumentação: os conceitos de Instituição e de organização.
Instituição é uma ação e uma prática social, que é fundada no reconhecimento público da sua atividade e de suas atribuições, explica a professora. Uma instituição é estruturada por ordenamentos internos, por regras e normas, por valores de reconhecimento e de legitimidade. Organização difere da instituição, porque ela se define por uma outra prática, diz Chauí, pela prática da instrumentalidade e pela ideia de operação. Ela se concretiza através de meios que são utilizados para atingir objetivos pre determinados, levando em conta a gestão, o planejamento, a previsão e o controle para se conseguir êxito. A marca da organização é que ela opera num tempo determinado e delimitado — e não tem relação com a temporalidade histórica. Terminada essa operação, dá-se início a uma nova operação, sem conexão com a anterior.
Marilena Chauí sintetiza, nesta altura de sua fala, que a instituição é o locus da continuidade histórica, enquanto a organização é a área da fragmentação, da particularização. O neoliberalismo, segundo a filosofa, opera com a organização e a destruição das instituições. É assim que estamos assistindo a desinstitucionalização no Brasil, ou seja, a substituição das instituições pelas organizações. O neoliberalismo tem uma particularidade, explica Chauí, não se trata de uma mutação histórica do capitalismo com a passagem da hegemonia econômica do capital produtivo para o capital financeiro. O neoliberalismo é uma mutação sócio-política: é a nova forma do totalitarismo.
O que caracteriza o totalitarismo — na concepção de Chauí — não é a do chefe autocrata, como fazem crer os filmes de Hollywood, e não é fundamentalmente a presença do racismo, do nacionalismo. Estes fenômenos diz ela, estão à margem do totalitarismo. A questão é que o totalitarismo transforma todas as instituições sociais em uma única instituição homogênea: ele torna a sociedade indiferenciada, totalizando a sociedade inteira.
A forma pela qual o neoliberalismo totaliza a sociedade contemporânea completamente se dá através de um tipo determinado de organização: a empresa. A escola se transforma numa empresa, conclui Chauí, o Centro Cultural vira uma empresa, a cultura é encarada como empresa, assim como o próprio Estado. O que se dá é o bloqueio da diferenciação interna, das práticas pelas quais ela se realizam, ou em harmonia ou em conflito, em reconhecimento ou não-reconhecimento. Seguindo esse raciocínio, Chauí demonstra que o que é fundamental para a existência da democracia — que é a necessidade e a legitimidade da diferença e do conflito — isso é apagado sob o manto da homogeneidade da sociedade e da política como empresas. Desta maneira é que se processa da institucionalização à organização. Este é o fundamento do pensamento totalitário que estrutura a sociedade como empresa.
Esta concepção se dá não somente ao nível das instituições, pondera a filosofa, mas também no surgimento de uma ideologia peculiar que vai ajudar a compreensão do porque aparece o ódio, o ressentimento, o medo. O problema é que agora temos apenas indivíduos e não classes sociais, ou coletivos de pessoas. O indivíduo passa a ser o empresário de si mesmo. É o surgimento de um neo-calvinismo, onde reina o princípio universal da concorrência e da competição, uma verdadeira luta mortal onde impera a meritocracia. Como consequência, essa configuração explica certo tipo de comportamento nas redes sociais, onde polulam a pós-verdade e as fake news, fruto de uma subjetividade narcisista e propensa à depressão. Por outro lado, a inculcação da culpa naqueles que eventualmente perdem a competição, desencadeiam sentimentos de ódio e ressentimentos de todo o tipo como referido acima — particularmente contra imigrantes, migrantes, sindicalizados, os negros, mendigos, e os LGBT.
Os efeitos dessa estruturação organizacional é a destruição da concepção de que as pessoas são parte de algo, de uma classe, destruindo qualquer resquício de solidariedade humana, diz Marilena Chauí. Não é por acaso que vivemos um processo de deterioração da democracia sob o neoliberalismo, quando se dá a passagem da instituição para a organização. Isso significa que o Estado deixa de ser considerado uma instituição pública regida pelos princípios e valores democráticos e republicanos. Passa, assim, a ser encarado como uma empresa, onde se verifica o encolhimento do espaço público — da democracia e da república — e o alargamento do espaço privado. É em função disso que a política passa a ser encarada como uma questão técnica, administrativa, que deve ficar nas mãos de “técnicos competentes”. Passa-se a exigir que o governante se transforme num gestor.
Como desdobramento destas ideias a política neoliberal, segundo Chauí, passa a destinar os fundos públicos para o pagamento de dívidas, sendo que se procura cada vez mais eliminar os direitos do cidadão, em proveito de interesses privados, transformando na verdade os direitos em serviços, definidos pela lógica do mercado. Trata-se da privatização dos direitos, transformados em serviços, comprados e vendidos no mercado. Essa é a política que está em operação no Brasil, que apunhala a democracia por seus dois pilares: o conflito e a criação de direitos.
Quais são as consequências desse processo? Pergunta a professora. E ela mesma responde, dizendo que em primeiro lugar é o fim da democracia social, com a privatização de direitos. Em segundo, trata-se do fim da democracia representativa, na medida em que a política é encarada como gestão. A política deixa de ser encarada como uma prática, na qual os indivíduos são considerados gestores. A figura do Parlamento deixa de ter sentido. Ele se torna algo menor que tem como função policiar os interesses de fulano e beltrano. A função legislativa tal como ela é concebida numa Republica representativa desaparece, ou está em vias de desaparecimento no Brasil com a judicialização da política.
A judicialização é o efeito do neoliberalismo na política, na medida que a política é pensada de maneira empresarial e como um jogo de interesses privados. Como no mundo empresarial os conflitos são resolvidos?, pergunta a professora Chauí. Os conflitos dentro da empresa e entre empresas, diz ela, são resolvidos pela via jurídica. A judicialização que estamos assistindo no Brasil, lembra Chauí, não é um destempero de um bando de ignorantes ou malucos completamente servis, ela é mesmo a maneira de resolução dos problemas da política neoliberal. Judicializar é neutralizar qualquer possibilidade de dar voz e legitimidade ao conflito. É por isso que as eleições estão da forma como estão, conclui Chauí. Elas se tornaram um problema para a política neoliberal, porque não se esperava que depois de tudo feito, o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, que ainda haveria vigor político de esquerda na sociedade brasileira que pudesse renascer. Por isso, argumenta Chauí, não devemos acreditar em leis históricas inexoráveis, nem o destino, nem a providência divina. Nós podemos mudar as coisas e a prova disso é a realidade atual, explica a professora.
Por fim, Marilena Chauí resolveu dar uma opinião sobre o multilateralismo. Diz ela que em consequência da nova forma assumida pelo imperialismo, o multilateralismo está sendo atacado de várias maneiras. Num primeiro momento, no pós-Segunda Grande Guerra, vivemos um período bipolar. Depois passamos a um mundo multipolar, na era da globalização. E, finalmente, chegamos a um novo imperialismo. Porque ele é de novo tipo? Responde Chauí: em primeiro lugar o paradigma deste novo imperialismo não é mais o capital produtivo, que exige uma ocupação de territórios no nível da própria infraestrutura. Ele passa a ter como paradigma o capital financeiro, que não precisa de infraestrutura territorial. O novo imperialismo opera com a destruição do multilateralismo. E também opera não mais com uma ocupação política de sua infraestrutura, mas com operações em determinado local de um território para exploração temporária, delimitada, ocupando através de suas empresas. Trata-se de uma operação com objetivo determinado. A organização delimita o seu êxito ou o seu fracasso. Esse é o modelo neoliberal: abocanhar o petróleo do Pre-Sal, a Embraer, a Embratel entre outras empresas.
Desta forma o novo imperialismo não precisa mais ter um plano para o mundo. O novo imperialismo é pontual e específico, e Donald Trump precisa apenas manter o poder dos Estados Unidos. Não precisa mais invadir outros países, mas apenas organizar operações em determinadas geografias. Note-se, assim, que a professora Marilena Chauí tem opiniões consistentes sobre o multilateralismo na atual conjuntura mundial.
Pedro de Oliveira
* Jornalista e assessor da presidência do PCdoB

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