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domingo, 23 de dezembro de 2018

Os perigos da Base Nacional Comum Curricular e das diretrizes curriculares articuladas à Reforma do ensino médio

Elaborada sob a desculpa de adequar o ensino médio às aspirações da juventude e ao mundo do trabalho, bem como assegurar a permanência dos estudantes na escola, a Reforma do ensino médio está colocada...
Por Ribamar Martins 
Elaborada sob a desculpa de adequar o ensino médio às aspirações da juventude e ao mundo do trabalho, bem como assegurar a permanência dos estudantes na escola, a Reforma do ensino médio está colocada em curso e avança a passos largos. Mas, paralelo à essa apresentação positiva, o que se observa é que em 2016, a Reforma foi elaborada pautada pela desigualdade, à medida que institui processos de formação diferenciados e nega o diálogo e as práticas democráticas como método de construção das políticas públicas.
Implantada por meio de uma medida provisória, a reforma rompe com a horizontalidade que permeava a formulação das políticas educacionais desde a Constituição Federal (CF) de 1988 e amplamente experimentadas nos anos 2000.  Por consequência, tanto a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), quanto às Diretrizes Curriculares do Ensino Médio, corroboram o caráter elitista da educação brasileira, distinguindo a educação destinada às elites, daquela destinada à classe trabalhadora, esta última que, inclusive, está sendo desmembrada com a retirada de diversas matérias de formação geral.
Aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 5 de dezembro, a BNCC deverá ser implementada até 2022. Irresponsavelmente, a proposta define o conteúdo mínimo que os estudantes de ensino médio devem aprender em sala de aula, reduzindo a formação acadêmica, desobrigando e /ou “ facultando” o acesso aos conteúdos fundamentais para o desenvolvimento integral dos estudantes. Isso porque a medida define que o currículo escolar deve ser composto por habilidades e competências definidas em duas dimensões: formação geral básica e itinerários formativos.
Estes itinerários serão percorridos pelos estudantes de acordo com a oferta, podendo o aluno fazer mais de um itinerário dentre cinco, enquanto que ao município cabe a oferta de no mínimo dois deles. Trocando em miúdos, a BNCC estipula que apenas matemática e português são conteúdos obrigatórios, todos os demais conhecimentos compõem o escopo dos itinerários formativos. Desta maneira, cria-se alunos mão-de-obra para o mercado de trabalho apenas com formação técnica e profissional.
A um primeiro momento a ideia pode até parecer boa, ao remeter ao discente a definição por quais itinerários pretende construir sua trajetória acadêmica, imagina-se que desta forma possibilita e caracteriza o exercício da democracia, tão desejável nas práticas sociais. Porém, se avaliada do ponto de vista de contextos de profundas desigualdades sociais, a escolha pelo mínimo pode se constituir no máximo perseguido por aqueles cujas condições objetivas condicionam as escolhas. A urgência pela conclusão de mais uma etapa de ensino pode ser balizadora das escolhas para as classes populares e, nessa perspectiva, comprometer a qualidade do ensino alcançado.
Considerando que assim como a escolha, a oferta também seja mínima, culminará no aprofundamento das desigualdades; em regiões pobres itinerários reduzidos, enquanto que em regiões ricas uma oferta ampla e diversificada. Neste contexto criando, portanto, dois projetos de educação no país.
Os itinerários formativos são estruturados a partir de quatro eixos os quais devem ser trabalhados transversal e interdisciplinarmente.
  • Investigação científica;
  • processos criativos;
  • mediação e intervenção sociocultural;
Observa-se que, em totalidade, esses itinerários articulados às áreas de formação básica, compõem o escopo de uma formação integral desejável em um sistema de educação que se propõe à constituição da emancipação social. Entretanto, a subtração de qualquer uma dessas dimensões representa a fragilização da formação acadêmica e rompe com a perspectiva emancipatória da educação.
As diretrizes como ações orientadoras do como alcançar as definições previstas na BNCC são situadas de forma a corroborar ao que está consignado nesta base, portanto, apenas instrumentalizam a ação, o caminho a seguir e atuam como parâmetros.
Sendo assim, ao definir as diretrizes dessa etapa de ensino, a Câmara de Educação Básica do CNE confirma a perspectiva privatista ao traçar que até 20% do ensino médio diurno poderá ser realizado pela modalidade à distância (EaD), enquanto que no turno noturno poderá atingir até 30% da carga horária e chegando à 80% nos casos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A possibilidade de oferta do Ensino Médio à distância revela o caráter excludente das políticas educacionais em curso.
Considerando as desigualdades presentes na sociedade brasileira que repercutem diretamente sobre a estrutura de escolas onde se convive com escolas melhores estruturadas e escolas pauperizadas, em geral, situadas nos espaços mais despossuídos de recursos econômicos do país, há que se prever que a opção pela oferta à distância, por meio de conglomerados educacionais de EaD deverá ser a tônica de muitos municípios.
Outro aspecto a ser considerado quanto à análise das políticas educacionais em curso, especialmente a partir da Reforma do ensino médio, é o caráter fragmentado das medidas. O fato da BNCC do ensino médio ser estruturada apartada do que foi desenvolvido no âmbito da educação infantil e do ensino fundamental, fratura o processo de formação na educação básica, ferindo seriamente a concepção de totalidade que esse nível educacional estabeleceu desde a Constituição de 1988, corroborada pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996.
Como pensar o que deve ser ensinado e aprendido no ensino médio sem levar em consideração o aprendido no ensino fundamental e vice-versa.  Ao separar estas etapas, corre-se o risco de se produzir um uma formação fragmentada e desconexa. Uma formação parcelar que interessa diretamente ao sistema de produção capitalista, a quem não importa a formação que oportunize aos(as) trabalhadores(as) a compreensão total do processo produtivo, mas tão somente das tarefas específicas que se lhes competem na engrenagem produtiva.
Não é à toa que a discussão sobre a BNCC e sobre as diretrizes ocorreram concomitantes ao acirrado debate do Escola Sem Partido que, simboliza o amordaçamento da educação, a quebra da autonomia das escolas e impede o debate plural de ideias e também da discussão de gênero.
O ano de 2019 exigirá do conjunto da sociedade um esforço coletivo para que possamos assegurar uma escola pública, democrática, gratuita, laica e inclusiva. Pretendem colocar em curso uma política educacional tão excludente que se assemelhada a que era desenvolvida na primeira metade do século passado. Inviabilizando o debate e/ou qualquer possibilidade de formulação crítica sobre o processo em curso, e o amordaçamento de professores(as) e estudantes é a pedra angular para materializar essa política de retrocesso.
“O que me surpreende na aplicação de uma educação realmente libertadora é o medo da liberdade.“ — Paulo Freire.
Fonte: SINPRO/DF

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