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domingo, 13 de janeiro de 2019

Cultura Fernando Pessoa: Contista em desassossego

Em pedaços de texto, anotações difusas, frases e esboços, o caráter fragmentário é uma das marcas da escrita ficcional de Fernando Pessoa. Sua extensa obra, em prosa e em verso, acumula mais de 25 mil textos, parte deles descobertos em dezembro de 1935, no seu apartamento em Lisboa, poucos dias após sua morte.

Embora menos conhecidos, os contos do escritor português aprofundam o enigma e a genialidade em torno de sua obra. Desta vez, eles compõem uma antologia recém organizada pela Editora Nova Fronteira, que lança um olhar especial sobre o autor disperso entre os heterônimos que criou em torno de si.

O banqueiro anarquista e outros contos escolhidos reúne 24 textos produzidos entre 1907 e 1935, dos quais 19 são inéditos no Brasil. A seleção também inclui três traduções de Fernando Pessoa para os contos do escritor americano O. Henry. Desde a prosa curta de No jardim de Epíteto (conto filosófico sobre a mensagem epicurista de um "mestre" sobre a vida e a natureza) até o conto policial de O roubo da quinta das Vinhas, o texto ficcional de Fernando Pessoa percorre caminhos distintos e desafia limites estruturais e temáticos de sua época.

"Além do despojamento da linguagem e da rara presença dos diálogos, os seus contos também se (re)formam na dimensão do fragmentário, do inconcluso", explica Maicon Araújo, professor de Teoria da Literatura da Universidade Estadual do Ceará (Uece). 
A presença do inacabado se manifesta ao longo de diversas páginas da antologia, na qual o leitor tem a possibilidade de esbarrar em notas, omissões deixadas pelo autor, dentre algumas palavras pouco usuais, além de numerosas variantes da língua portuguesa registradas por Pessoa, aprofundando a incógnita que ronda os textos do escritor lisboeta.

Para Maicon, o conto policial é apenas uma faceta que compõe a multiplicidade temática da ficção de Pessoa. "Seus textos mascaram verdades que operam o dizer da própria ficção em seu processo criativo. O mesmo autor se confunde com os narradores, com os pensadores, com os investigadores que compõem suas histórias e quase-histórias", pontua. Por esses enredos, se entranha a mesma ânsia presente em quase toda a obra de Pessoa: a vida acontecendo, fingida e vivida. As máscaras, por assim dizer, são uma condição da própria potencialidade artística do "poeta fingidor", autor dos conhecidos versos de Autopsicografia.

Pessoa não se limitou a criar heterônimos poéticos (como o futurista Álvaro de Campos, o racional Ricardo Reis ou o rústico e ingênuo Alberto Caeiro). Ele também inventou outros personagens ? em prosa ?, como um banqueiro "consciente e convicto" do conto O banqueiro anarquista. Para Maicon, nesse texto se vê "um Pessoa de teorizações políticas, filosóficas e psicológicas", que passeia por uma narrativa cujos acontecimentos não criam uma história concisa capaz de "sequestrar" o leitor, mas sim um longo diálogo à maneira platônica que pretende (re)elaborar um conceito - neste caso, o de anarquismo", explica o professor.

O poeta e pesquisador Alexei Bueno assina a introdução da coletânea, que mantém, logo após o texto traduzido, a versão original de A very original dinner, texto escrito quando Fernando Pessoa tinha 19 anos. Com doses de humor negro que beira o fantástico, o texto traduz o pleno domínio da narrativa que o escritor exibia desde a juventude. Seja em seu tom meditativo, seja na profundidade narrativa, o que sobressai na escrita pessoana é a intenção reflexiva, esotérica e misteriosa, que se mistura à tessitura particular de todos os seus contos.

Teatro Estático

Com edição de Filipa de Freitas e Patricio Ferrari, o livro Teatro Estático reúne pela primeira vez a face de dramaturgo do poeta Fernando Pessoa, no qual se inclui a peça O Marinheiro. Com a publicação desta peça de teatro, em 1915, Pessoa apresentou também um novo gênero dramatúrgico criado por ele, que recebeu o nome de teatro estático. Apesar de O Marinheiro ser o exemplo mais conhecido, o texto revela que o poeta português trabalhou em muitas outras peças do mesmo gênero - sem haver terminado nenhuma delas. A maioria permanecia inédita até a publicação do livro, em 2017.

Argumentos para filmes

Uma cuidadosa pesquisa pelo espólio de Fernando Pessoa, incluindo sua biblioteca pessoal, mostrou que o escritor português não só escreveu argumentos para filmes, como também sonhou criar uma produtora. O trabalho de organização e pesquisa dos editores Patricio Ferrari e Claudia J. Fischer resultou no texto Fernando Pessoa - Argumentos para Filmes", lançado em 2011 pela Editora Ática. No volume, toda esta história do pouco conhecido fascínio de Pessoa pelo cinema é descrita com pormenores em seis argumentos cinematográficos incompletos, provavelmente escritos ainda na época do cinema mudo.

O escritor e o enigma

Os primeiros textos de ficção de Fernando Pessoa apareceram em "jornaizinhos" manuscritos da sua adolescência. É em 1902, no nº 5 do jornal O Palrador, que surge o Dr. Pancrácio, personalidade literária de estreia da ficção pessoana, como lembra a escritora Ana Maria Freitas. Na ocasião, ele apresenta um pequeno conto da sua autoria, intitulado Desapontamento. Outros títulos continuaram a surgir depois, bem como os heterônimos criados com a função de assumir sua autoria - David Merrick, Charles RobertAnon, Alexander Search, Pêro Botelho, Bernardo Soares, dentre outros.

Durante sua trajetória na prosa e no verso, Fernando Pessoa criou mais de setenta heterônimos - e essa diversidade é uma das facetas exploradas com mais afinco por pesquisadores, críticos e leitores de tantas gerações posteriores que se debruçam sobre sua obra. Para o escritor Massaud Moisés (1928 - 2018), que se dedicou ao estudo da literatura pessoana, ele "é dos casos mais complexos e estranhos dentro da literatura portuguesa, tão perturbador que somente o futuro, quando de posse de toda a sua produção, virá a compreendê-lo e julgá-lo como merece", declarou.


O estudo de Massaud Moisés resultou na coletânea de ensaios intitulada Fernando Pessoa: o Espelho e a Esfinge, de 1988, que descortina e lança questionamentos sobre alguns aspectos menos conhecidos da produção literária do escritor lisboeta. Considerado referência indispensável para todos os estudiosos e leitores de Pessoa, o livro explora a controversa questão dos heterônimos, além de investigar os fundamentos estéticos da sua obra ficcional e sua potência do "mascarar criador". 

 Fonte: O Povo

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