Além da tradicional montagem em Nova Jerusalém, encenações em diversas cidades reproduzem os últimos dias de vida de Jesus
A Paixão de Piracicaba (SP), que em 2019 chega à 30ª edição, começou quando um grupo de atores da cidade se reuniu para fazer a encenação por conta própria (Foto: Fran Camargo)
Às vésperas da Páscoa, a encenação da Paixão de Cristo ganha palco em igrejas, hortos, parques e vales em diversas cidades do País. A representação, que no Brasil começou com a iniciativa visionária do comerciante e político Epaminondas Mendonça, no interior de Pernambuco, se tornou uma das principais tradições nacionais nesta época do ano. Diversas montagens já obtiveram apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Desde 1991, 142 versões da peça foram realizadas com recursos captados por meio da Lei, em um total de R$ 21 milhões.
A Paixão de Piracicaba (SP), que em 2019 chega à 30ª edição, é uma delas. Tudo começou quando um grupo de atores da cidade se reuniu para fazer a encenação por conta própria. Com o aprimorar da peça, foram percebendo que necessitavam de uma estruturara melhor e, em 1996, criaram a Associação Cultural e Teatral Guarantã, que, desde então, organiza anualmente a montagem.
A associação conta com diversos apoios, entre os quais o da prefeitura municipal e da Lei Federal de Incentivo à Cultura. De acordo com a diretora de produção da Associação, Anelisa Ferraz, em 2019, eles conseguirão fornecer ajuda de custo para os mais de 200 atores que compõem o elenco. “Nós nos reunimos com o Sated (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões), pois nos últimos anos, além dos voluntários, há atores e estudantes de artes cênicas que participam da encenação, e conseguimos acordar uma ajuda de custo para os todos os intérpretes que atuam na montagem”, informa.
Os trabalhos começam quase um ano antes da Páscoa, quando são abertas as oficinas de atuação para as pessoas que não têm formação em artes cênicas e desejam atuar na peça. Em 2018, as oficinas começaram em julho. Em dezembro, são feitas as inscrições e candidaturas para os papéis principais e, em janeiro, começam os ensaios. Durante a semana, são realizados nas dependências da Associação e, no fim de semana, no Parque do Engenho, onde a peça é encenada para um público de cerca de 2 mil pessoas. Desde que foi fundada, a Associação já captou mais de R$ 3,9 milhões para organizar 30 encenações da Paixão de Cristo.
Acessibilidade
No Distrito Federal, onde anualmente há diversas montagens para a peça, uma se destaca: a Via Sacra de Surdos de Brasília. Quem tomou a iniciativa de montar uma versão para deficientes auditivos foi a professora de artes Lilian Pazzini, da rede pública de Planaltina (DF). Ela buscou em Renato Telles, ator e integrante do elenco da Via Crucis que já era encenada na cidade, o apoio para executar a ideia. “Foi muito fácil dirigi-los, pois a linguagem de Libras (linguagem brasileira de sinais) já exige que sejam muito expressivos. Minha maior dificuldade, no início, foi mesmo para me comunicar com eles, já que eu não entendia Libras na época”, conta Telles, que foi o diretor dos espetáculos até 2018. “Hoje, são eles que fazem tudo e eu fiquei, praticamente, como produtor”, relata.
Na primeira montagem, o elenco foi composto por 50 surdos, que foram reunidos com o auxílio da Pastoral dos Surdos do Instituto Nossa Senhora do Brasil, em Brasília. Atualmente, são 200 atores, sendo que alguns, além de ter deficiência auditiva, também são cegos ou portadores de síndrome de Down ou autismo.
Entre os desafios que enfrentou para dirigir o espetáculo, Telles conta que foi necessário criar algumas expressões que não existiam em Libras, como as palavras Herodes ou Páscoa. Além disso, tudo tem de ser feito de acordo com as regras de acessibilidade, desde o piso podotátil até as rampas de acesso ao palco.
“A Via Sacra mudou o meu modo de ver tudo, de ver as pessoas, de ver a vida. Diariamente, eu vejo como essas pessoas constroem as próprias vidas com alegria, têm seus filhos, vão à universidade, e isso me dá muito mais força para lidar com meus problemas, por exemplo. É transformador, você não consegue passar por esse processo sem querer ajudá-los, mas a verdade é que eles me ajudam bem mais do que eu a eles”, destaca Renato. Este ano, a encenação, que é itinerante, será montada em Samambaia (DF), provavelmente uma semana após o domingo de Páscoa e a entrada é gratuita.
Histórico
As encenações da Paixão de Cristo no Brasil tiveram início em 1952, na vila de Fazenda Nova, no município de Brejo da Madre de Deus, a 200 km do Recife. Epaminondas Mendonça leu sobre a encenação do calvário organizada por uma cidade da Baviera alemã e decidiu que faria o mesmo, a fim de impulsionar o comércio local.
Em 1956, o gaúcho Plínio Pacheco assistiu ao espetáculo a convite do ator e diretor Luiz Mendonça, que interpretava Jesus. Além de se apaixonar por Diva Mendonça, filha de Epaminondas, com quem se casou, Luiz também se deixou envolver pela história da Paixão de Cristo. Em 1962, Pacheco teve mais uma ideia visionária: construir uma cidade teatro que replicasse Jerusalém e que servisse de palco para o espetáculo. Com recursos próprios e o apoio da família e de amigos da região, ele inaugurou a cidade teatro de Nova Jerusalém em 1968 e, desde então, a peça é encenada no local.
Desde a primeira edição, a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém já atraiu mais de 4 milhões de pessoas. Movimenta, anualmente, o comércio de Brejo da Madre de Deus e de municípios próximos, como Caruaru, Gravatá, Santa Cruz do Capiberibe e Toritama, como também o turismo em Porto de Galinhas e até Recife.
A cada temporada, cerca de 250 mil pessoas visitam a região, sendo que 60 mil assistem ao espetáculo. Estima-se que a encenação movimente R$ 200 milhões na economia local, incluindo os investimentos em divulgação, produção, comércio, hotéis, pousadas e transporte. A montagem se tornou tão famosa que até já foi tema de documentário da rede TV estatal da Inglaterra, a BBC.
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