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O Brasil surge na História como a “descoberta”, pelos portugueses. Mas diversos povos nativos habitavam todas as extensões do continente americano desde tempos imemoriais. Estima-se que, à época do descobrimento, até cinco milhões de índios viviam no país.
A chegada dos portugueses foi uma verdadeira catástrofe para os nativos e resultou no extermínio de muitos povos indígenas no Brasil em decorrência de conflitos armados, doenças trazidas pelos europeus e pelo processo de escravização.
Após o contato e a partir da criação das capitanias hereditárias, que marcam o início das atividades de colonização do Brasil, os índios foram escravizados e se tornaram a base da formação da economia colonial.
A mão de obra indígena era encontrada em fazendas e arraiais nos litorais da região Nordeste e Sudeste. Havia ainda as chamadas “missões”, aldeamentos indígenas criados e administrados por padres jesuítas no Brasil, entre os séculos 16 e 18, com a finalidade de catequizar os nativos.
Os avanços de frentes de colonização para o interior formam um dramático capítulo da formação territorial brasileira. A expansão começou com sertanistas e bandeirantes, que organizavam expedições para localizar jazidas de ouro e pedras preciosas. Milhares de indígenas que habitavam o interior entraram em conflito com os colonizadores.
Paralelamente, a demanda por escravos fez surgir um rentável comércio para os bandeirantes paulistas, que organizavam as chamadas “bandeiras”, expedições de captura de indígenas para o trabalho escravo. Os bandeirantes eram ainda recrutados para combater tribos rebeladas e quilombos. Foi apenas na década de 1750 que a escravidão indígena no Brasil foi oficialmente abolida pela Coroa Portuguesa, que começou a estimular o tráfico de escravos africanos.
No início do século 20, ainda predominava a visão de que o índio deveria ser “civilizado”, ou seja, ser assimilado à cultura ocidental, se tornar um “não-índio”. Em 1910 foi criado o SPI - Serviço de Proteção ao Índio, que buscava fazer o contato com tribos isoladas e promover a coexistência pacífica entre colonizadores e indígenas nas frentes de expansão econômica.
À frente do trabalho do Instituto estava o Marechal Rondon(1865-1958), que chegou a participar de expedições que percorreram as fronteiras do Brasil instalando postos telegráficos e buscando o contato amigável com as populações indígenas, uma atitude pioneira para a época.
Durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945), o governo brasileiro promoveu a “Marcha para o Oeste”, que visava à incorporação territorial e econômica de áreas do centro-oeste brasileiro. Nesse período, ganhou destaque o trabalho de sertanistas, como os irmãos Villas-Boas, responsáveis por atrair e pacificar povos isolados que habitavam o Brasil Central.
Os irmãos também influenciaram na criação do Parque Indígena do Xingu, voltado para a proteção das etnias que ocupavam a região do rio Xingu. A criação do parque em 1961 representa um marco histórico de proteção, isso porque ainda não havia uma legislação que garantisse efetivamente os direitos territoriais dos índios.
Após os anos de 1970, durante a ditadura, houve um período de expansão das atividades produtivas na Amazônia, que era vista como um impulso para o desenvolvimento. A construção de estradas como a Transamazônica, hidrelétricas e o desmatamento para a pecuária resultaram na expulsão de comunidades indígenas de suas terras e o contato com doenças trouxe novas mortes.
Em 1973, o governo aprova o Estatuto do Índio. E finalmente, em 1988, é promulgada a nova Constituição Federal, que inovou ao estabelecer o direito originário dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam e reconheceu oficialmente direitos de cidadania, como o respeito à identidade e organização social, costumes, línguas, crenças e tradições.
A população indígena hoje
Quem são os índios do Brasil hoje? Apesar do passado dramático, a população indígena está voltando a crescer. Esse aumento populacional se deve à taxa demográfica, mas principalmente ao número de pessoas que se reconhecem com a identidade indígena.
Em 1992, o censo incluiu pela primeira vez a categoria “indígena” como raça e os dados revelaram o percentual de 0,2% no total da população brasileira, com 294 mil pessoas declaradas. Segundo os dados mais recentes do IBGE (2010), o Brasil tem 890 mil índios, pertencentes a 305 etnias - uma população com culturas, crenças e hábitos diferentes entre si.
A maioria dos indígenas (70%) está concentrada em seis estados da região da Amazônia Legal: Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Pará. São 274 línguas já catalogadas, o que configura uma das maiores diversidades culturais do mundo. As línguas derivam principalmente de quatro grandes troncos: Macro-Jê, Tupi, Aruak e Karib.
Mas qual é a realidade indígena brasileira? É comum a imagem de que o índio é o indivíduo que mora na floresta e que vive apenas da caça e pesca. Os índios vivem dentro e fora de Terras Indígenas, em diversos biomas.
Da população atual, 57% vivem em Terras Indígenas oficialmente reconhecidas. Mas também existem famílias que moram na zona rural e em cidades. Em alguns municípios do Amazonas, por exemplo, é comum bairros de comunidades indígenas, a maioria vivendo em situação de pobreza. A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) estima ainda que cerca de 40 povos se encontram isolados, sem ter tido contato com o branco.
A vida nas aldeias ultrapassa a questão da sobrevivência alimentar. Muitas aldeias reivindicam o acesso à saúde e educação, questões fundamentais para a melhoria da qualidade de vida desses povos.
A luta pela garantia de direitos
Flechas, bordunas e guerreiros pintados para a guerra. Manifestações de grupos indígenas têm sido uma cena cada vez mais comuns em Brasília (DF). Isso porque além deles estarem politicamente mais organizados, tramita no Congresso Nacional uma série de projetos que afetam diretamente as questões e os direitos indígenas.
No Legislativo são os projetos PEC 215, PEC 038, 237, PLP 227 e PL 1610. No Executivo, a Portaria 303, Portaria 419 e o Decreto 7957.
A mais conhecida delas é a PEC 215, que altera as regras para demarcações de terras indígenas e quilombolas. A proposta já foi aprovada em comissão especial e que está pronta para ser votada no Plenário.
A Proposta de Emenda à Constituição transfere do Executivo para o Congresso Nacional o poder de demarcar terras indígenas e ratificar as demarcações homologadas. Para os índios, a proposta é um retrocesso e eles temem que ela emperre a demarcação de novas terras indígenas por interesses políticos.
A bancada ruralista, composta por parlamentares que representam o agronegócio, é a maior defensora da PEC 215. O principal argumento é que muitas demarcações indígenas acontecem em áreas oficialmente pertencentes a agricultores, registradas pelo INCRA. O abandono das terras prejudicaria a renda e a economia do estado.
A demarcação de terras indígenas já gerou diversos conflitos. Para haver a demarcação de uma terra indígena, a Funai deve antes de tudo elaborar estudos de identificação e delimitação, que precisam obedecer a critérios técnicos que levam em conta toda a história de ocupação daquela terra. Depois o processo deve ser aprovado pela Justiça.
Em Roraima, a região de Raposa Serra do Sol foi demarcada para os índios Macuxi e Jaricuna em 2005. No ano seguinte, arrozeiros entraram na justiça para tentar manter a posse de suas terras dentro da área demarcada, atrasando a desocupação da área. Houve conflito armado e até hoje a tensão é grande.
O Mato Grosso do Sul é o estado que apresenta os conflitos mais acirrados. A disputa de terra entre fazendeiros e os Guarani-Kaiowá deixou dezenas de vítimas. Os índios estão no processo de demarcação e ocupam fazendas localizadas na área delimitada da futura reserva. Muitos acampamentos foram retirados à força pelos fazendeiros. A morosidade da Justiça é um problema. Enquanto não sair a decisão oficial, não é possível comprovar que a terra é indígena.
As ameaças ambientais
Nas terras indígenas, a exploração e o aproveitamento dos recursos hídricos e das riquezas minerais só podem ser feitos com a autorização do Estado brasileiro. Mas as áreas de preservação ambiental e os territórios indígenas são alvos da extração ilegal de recursos.
Na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, foi desmantelado pela Polícia Federal um esquema de atividades garimpeiras ilegais que movimentou cerca de 1 bilhão de reais nos últimos dois anos e que há anos havia sido denunciado pelos indígenas.
O avanço do agronegócio também é um fator que pressiona os territórios indígenas. No Parque do Xingu, ao longo dos anos se formou um cinturão de fazendas de soja em seu entorno, transformando o parque indígena em uma “ilha verde de floresta”.
Grandes obras hidrelétricas na Amazônia também são alvos de críticas. A maior delas é a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Baixo Xingu, em Altamira (PA), que será a segunda maior do país. A barragem gerou um forte movimento de oposição entre os povos indígenas da bacia do Xingu, que temem que a hidrelétrica afete os rios e sua sobrevivência. Recentemente a FUNAI autorizou o IBAMA a conceder a licença para a barragem operar.
Outra obra que pode sair do papel é o Completo de usinas do Rio Tapajós, no Pará. O governo de Dilma Rousseff planeja erguer uma sequência de 40 barragens, que afetaria florestas preservadas e 19 Territórios Indígenas. O projeto está em fase de licenciamento ambiental.
A cultura indígena e o Brasil
A cultura indígena está presente na língua materna, nos costumes, cantos, danças, pinturas corporais, ritos, narrativas, saberes e tecnologias. Ela é uma das raízes ou matrizes da cultura brasileira atual. Seus traços são encontrados em diferentes momentos cotidianos dos brasileiros: em nossa alimentação (em comidas como mandioca, pipoca e tapioca), em objetos, como a rede de descansar, no conhecimento das ervas medicinais, na nomenclatura de animais, no folclore, religiões, em manifestações culturais tradicionais e na relação com a natureza.
Em aldeias mais isoladas, a cultura indígena é forte e está “preservada”. Mas a grande realidade hoje é que a maioria dos índios está imersa em duas culturas e dois mundos: a convivência com os brancos e a vivência da cultura tradicional.
Historicamente, quanto maior é a convivência com os brancos, maior o risco de se perder as tradições. No atual contexto, a preservação do território e da cultura constituem os principais desafios dos povos indígenas.
BIBLIOGRAFIA
"Memórias sertanistas: cem anos de indigenismo no Brasil", org. Felipe Milanez. (Edições Sesc São Paulo. 2015)
"Povos Indígenas no Brasil 2001-2005", de Beto Ricardo e Fany Ricardo. (Instituto Socioambiental).
"História dos índios no Brasil", org. Manuela Carneiro da Cunha. São Paulo: Companhia das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura/ Fapesp, 1992.
"Caminhos e fronteiras", de Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
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