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quarta-feira, 29 de abril de 2020

Procura por atendimento psicológico nas periferias aumenta durante a pandemia

Procura por atendimento psicológico nas periferias aumenta durante a pandemia
Por Mauro Utida para Mídia NINJA
Iniciativas como da psicóloga Josilene Ferreira da Silva tem feito a diferença para famílias em extrema pobreza nas comunidades da zona leste de São Paulo. Ela faz o alerta: A pandemia tem causado efeitos sombrios na saúde mental da população das periferias e a procura por atendimento intensificou.
O acompanhamento psicológico nas periferias do país ainda é um tabu a ser quebrado. Há um certo receio por parte de grande parte dos moradores pelo tratamento de transtornos mentais por meio de terapias, como se fosse um luxo ou que é voltado “para loucos”. Entretanto, iniciativas voluntárias de profissionais em áreas vulneráveis estão tendo uma importância enorme em tempos de pandemia causada pelo coronavírus (covid-19) e estão desconstruindo preconceitos.
Nas comunidades do extremo leste de São Paulo, o trabalho praticamente invisível da psicóloga Josiane Ferreira da Silva, tem feito a diferença na vida de muitas famílias e com grupos de mulheres. Pela experiência profissional em campo, há mais de dois anos – em comunidades como São Miguel Paulista e Guainazes e nas periferias de Ferraz de Vasconcelos, Poá e Suzano – ela faz o alerta:
A pandemia tem causado efeitos sombrios na saúde mental da população de baixa renda e a procura por atendimento intensificou.
O aviso da psicóloga pós-graduanda em Neuropsicologia pela Universidade de São Paulo (USP) é preocupante. Nas periferias, as poucas opções de tratamento para transtornos mentais estão concentradas nos atendimentos dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), do Ministério da Saúde. Até o fechamento desta matéria, não foram informados os números de acolhimento realizado por este serviço pelo Governo Federal e da cidade de São Paulo.
“Há dois anos dedico meu trabalho nas comunidades da zona leste e esse cenário apocalíptico tem tido um impacto ainda maior na vida destas pessoas. Elas estão fragilizadas pela incerteza. Além do mais, o quadro político e econômico do país não tem colaborado para amenizar a saúde mental da população. Nas comunidades – onde as famílias estão em extrema pobreza – isso é um gatilho para intensificar casos de angústia, ansiedade, depressão, abandono e desamparo. É uma conjuntura que potencializa os transtornos mentais e podem levar ao suicídio”, alerta.
A Cruz Vermelha alertou, no início de abril, sobre o agravamento de problemas de saúde mental por causa da pandemia. O secretário-geral da Federação Internacional de Sociedades da Cruz Vermelha e da Crescente Vermelha (FICV), Jagan Chapagain, confirmou que a demanda de apoio psicológico “aumentou consideravelmente”, com base em relatos dos profissionais da saúde que estão na linha de frente no atendimento médico.
Os atendimentos de Josi acontecem por telefone e internet, porém nos casos de pacientes em surto, o atendimento precisa ser presencial. Segundo ela, toda semana há pelo menos um caso de surto psicótico ou tentativa de suicídio.
“Coloco a máscara e luvas e vou. Entendo que no momento as famílias estão sem renda para me pagar, mas não posso negar o atendimento. Como profissional tenho responsabilidade com a vida dos outros”.

LUTO COLETIVO

Apesar do pouco tempo de experiência profissional, Josilene participou do atendimento de alunos, profissionais e familiares da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano. O caso ficou conhecido como o “Massacre de Suzano”, ocorrido em 13 de março de 2019, que vitimou cinco estudantes e duas funcionárias da escola, por uma dupla de atiradores, ambos ex-alunos.
Ela trabalhou como psicóloga durante três meses para dar apoio psicológico às vítimas durante o enterro e velório. Ficou junto ao grupo para confortá-los e prepará-los para voltar à vida social. A psicóloga explica que, naquela época, foi realizado um trabalho de luto e trauma coletivo. Para ela, as lições da tragédia de Suzano podem ser utilizadas para combater os danos que o coronavírus tem causado na saúde mental da população.
Professores, estudantes e familiares vão às ruas em marcha fúnebre pela memória das vítimas do massacre de Suzano. Fotos: Marcelo Viola
“Estamos em luto coletivo. O luto não está relacionado apenas à morte, mas também à falta de liberdade de ter uma vida social, a perda de emprego, medo de morrer ou de perder um ente querido. Para uma possível estabilidade psíquica, precisamos identificar que essa é uma situação completamente atípica e que foge ao nosso controle, compreender o que temos condições de lidar e o que não temos já é um começo”, aconselha.
Pensar constantemente nos impactos da pandemia, buscar informações em demasia, podem causar o surgimento ou aumento de sintomas que ampliam quadros de ansiedade, depressão, pânico e transtornos obsessivos, avisa. Diante dessa situação, ela aconselha medidas e soluções de inteligência coletivas, como a solidariedade, o combate às desigualdades e a equidade social, devem ter direcionamento maior em grupos mais vulneráveis, sobretudo os relacionados a gênero, raça e nível socioeconômico.
“O importante agora é perceber o que é realmente necessário, entender que o desnecessário não tem que estar em nós, pois é excesso. Estocar energia psíquica é essencial, afinal iremos precisar para passarmos por esse momento tão difícil”, informa.

QUEBRANDO TABU

Na maioria das comunidades carentes, os moradores têm seus direitos básicos negados, como saneamento básico, saúde, educação e cultura. E como fica a saúde mental dessa população que convive com a dificuldade e no momento a prioridade principal é por um prato de comida? “Eles usam o que tem. Cada um na sua condição e no seu tempo”, responde a psicóloga de 43 anos, que mora em São Miguel Paulista.
A resistência ao tratamento psicológico é um desafio a mais para o trabalho de Josi nas comunidades onde presta atendimento. Porém, com muita conversa e amizade ela vai abrindo seu espaço, ganhando a confiança dos moradores e desmistificando e desconstruindo padrões. Ela explica que na periferia o profissional de saúde tem que ter o linguajar do povo para ganhar a confiança e conseguir realizar um bom trabalho.
“Infelizmente, nas periferias o trabalho de um profissional de psicologia e psiquiatria, ainda é visto com o pé atrás pela população. Muitas famílias ainda têm a ideia de que o acompanhamento por psicólogos é para pessoas loucas. O psiquiatra então, é para quem enlouqueceu de vez. A realidade das comunidades é outra. Aqui não dá para indicar uma aula de yoga, se alimentar com comida saudável, ler livros, como forma de bem estar. Atualmente as pessoas estão sem o mínimo e preocupadas com o que vão comer”, relata.

Fonte: Mídia Ninja

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