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sábado, 6 de fevereiro de 2021

CRÔNICA: Como apertar o botão do elevador quando se tem covid? Por Paula Corrêa

 Por DCM

A escritora Paula Corrêa
(Crédito: Fernando Cavalcanti)

O botão do elevador para um portador

Por Paula Corrêa*, especial para o DCM

Passei tantas vezes as mãos no álcool que já não me lembro.

Era a certeza de que poderia matar alguém? Era.

Na ponta do meu indicador teria essa partícula invisível da morte? Teria.

Os velhinhos do meu prédio, pessoas que nem conheço ainda – mudei na pandemia-  poderiam tocar aquele mesmo botão que eu.

Seria uma opção subir de escadas?

(Eu realmente não queria TOCAR nada. Porque TOCAR poderia ser uma morte. Ou algumas). E eu não tinha forças para subir nenhum degrau.

Ter forças.

É tão bom, né? Acordar, tomar café, trabalhar, almoçar, ficar com o filho, jantar, dormir. Fazer exercício, tomar um vinho, ver jornal. A vidinha pacata, normal, regradinha.

Mas aí se instala no seu corpo (como? por quê?) uma doença inédita, a doença que o MUNDO todo teme. E você também.

E apertar o botão do elevador? Pode ou não pode? Alguém criou essa regra? Que, veja bem, não é bem de boa convivência… Não é não querer dividir o elevador. Não é não querer dar bom dia. É, digamos assim, matar alguém. Aperto ou não aperto? E se o infeliz do vírus está na ponta do meu dedo? E vai ficar no botão do elevador esperando um velhinho meio desavisado apertar, e depois, subitamente, seu olho coçar veementemente? Ele pode apertar o botão com o dorso do dedo. Aí na hora de coçar o olho, ele também coça com o dorso, afinal, não é uma parte do corpo que ele use muito, então, na dúvida, usa o dorso que não usa muito. Mas ele apertou o botão com o dorso também!

Na dúvida, e repleta de culpa e confusão, passei muito álcool na ponta do dedo que iria usar para apertar o botão do elevador, e apertei. Ao abrir a porta, outro dilema. Bem, entrei. Lá dentro, outros tantos dilemas. Ao abrir a porta para sair do elevador, mais outros. No hall…

Entrei em casa, de onde só saí depois de quase 20 dias. Para garantir.

Bem… o que passei lá dentro, não importa muito agora.

Mas o que mais importa, mesmo, é que o interfone não tocou aqueles dias todos. E não tive notícia dos velhinhos do prédio terem covid.

*Paula Corrêa é escritora, poeta e jornalista. Nascida em São Paulo em 1978, cursou Comunicação e Artes do Corpo e é formada em Jornalismo pela PUC-SP. Escreveu os livros de poesia “In Vitro” (2004), “As Calotas Não Me Protegem do Sol (2010)” e “Tudo o que Mãe Diz É Sagrado”, este último pela editora Leya, com quarta capa de Eliane Brum e Ignácio de Loyola Brandão.

 por
 Vinicius Segalla

FONTE - DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO - DCM

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