Foto: Francisco Proner
Por: Luciano Martins Costa
"Então, dá pra
fazer um jornalismo melhor?" Luciano Martins Costa levanta questões
básicas sobre a operação da Polícia Civil na qual morreu o policial Leonardo
Mello Frias e que resultou na morte de mais 27 pessoas.
O noticiário sobre a operação policial na favela do
Jacarezinho, que causou o maior número de mortes em ações desse tipo no Rio de
Janeiro, produz uma avalanche de protestos, que chegam até da ONU, e muitas
declarações de apoio que todos sabem de onde vêm. Mas tudo isso pode ser apenas
espuma. Ou, digamos, uma espuma que interessa aos autores da chacina. O
jornalismo não deve ser conformista, mas precisa buscar a raiz da
indignação.Todo repórter investigativo tem, ou deveria ter, como principal
preocupação, parar no meio da enxurrada de informações, principalmente aquelas
produzidas pelas autoridades, e olhar para o lado oposto, para além da fonte.
Parado no meio da correnteza, o que vai ver o
jornalista? Vai ver que a primeira vítima, o agente policial André Leonardo
Mello Frias, tombou a poucos metros do veículo blindado que transportava parte
da tropa. Recebeu uma ordem para desbloquear o caminho. Para isso, teria que
arrastar um trilho de metal preso a um latão. Tarefa pesada, que exigiria pelo
menos mais um homem bastante forte. O jornalista vai se dar conta de que
nenhuma outra das 29 vítimas foi morta naquele lugar. A maioria morreu a quase
três quilômetros dali.
Para não fazer o trabalho de quem ganha com isso,
mas apenas aplicando um pouco da Teoria da Complexidade aos fatos conhecidos,
basta imaginar que, evidentemente, toda a tropa de 250 policiais foi
imediatamente informada de que um colega havia sido morto. Esse foi o estopim
do massacre.
Ainda parado no meio da correnteza de informações e
factoides, o jornalista irá pesquisar quem era André Leonardo Mello Frias, e
com pouca dificuldade encontrará um homem que entrou para a corporação aos 40
anos, era filho único, tinha um enteado de dez anos e cuidava da mãe doente, da
qual era tutor oficial. Descobrirá também que ele era especialista em armas,
tinha enorme dedicação ao trabalho e muito interesse em investigação.
Lá no meio de uma pesquisa que não lhe custará mais
do que meia hora, tal repórter vai ficar sabendo que André Leonardo participou
da investigação que resultou na apreensão de uma enorme quantidade de armamento
pesado no Aeroporto Santos Dumont, em 1º de junho de 2017.
Eram armas de guerra, modelos AK-47, G3 e AR-10,
estavam escondidas em um carregamento de aquecedores de piscina no terminal de
cargas da Receita Federal. As armas, contrabandeadas de Miami, se destinavam a
milícias cariocas.
Ainda dentro dessa meia hora, o jornalista na
contramão dos factoides vai descobrir que, nessa operação de 2017, também
estava presente o policial Bruno Guimarães Buhler, amigo de André Leonardo e
seu então colega na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da polícia do
Rio. Buhler, que tinha então 36 anos e um filho pequeno, era considerado um dos
melhores atiradores da polícia fluminense.
Como André Leonardo, era um idealista, entusiasta
do trabalho policial. Ele foi morto dois meses depois da apreensão das armas
destinadas a milicianos no aeroporto Santos Dumont, na mesma favela do
Jacarezinho, numa operação de rotina, exatamente como viria a ser vitimado seu
amigo: levou um tiro quando saía de um veículo blindado.
Então, dá pra fazer um jornalismo melhor? Depois
dessa paradinha rápida na correnteza dos fatos despejados pela polícia, o
repórter vai reler os comunicados oficiais sobre a operação da manhã de 6 de
maio de 2021, reproduzidos sem crítica pelas maiores máquinas de informação do
País, e vai se dar conta de que não houve uma apreensão de toneladas de
cocaína, que as armas apresentadas podem ter tido qualquer origem. Podem até
mesmo ser parte do arsenal de traficantes.
Então, terá diante de si outra hipótese: a de que o
monte de cadáveres foi produzido para esconder o corpo de André Leonardo de
Mello Frias.
Uma curiosidade: em 2018, depois da morte de Bruno,
André Leonardo recebeu na Assembleia do Rio uma menção de louvor e
congratulações por sua ação na apreensão das armas, o que lhe deu uma perigosa
notoriedade. O autor da moção foi o então deputado Flávio Bolsonaro.
Fonte: JORNALISTAS LIVRES
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