José de
Paiva Rebouças (Agecom/UFRN) e Marcone Maffezzolli (CCS/UFRN)
Com uma
das biodiversidades mais proeminentes do mundo, o Brasil continua sendo um
imenso laboratório para descobertas importantes em várias áreas, inclusive na
alimentícia. Conhecidas por populações tradicionais, plantas como bacuri,
monguba, beldroega, chanana, palma, araruta, taioba, cumaru, pequi, bacuri,
pitomba, jenipapo e muitas outras têm sido usadas para diversos preparos, desde
os medicinais, até os alimentícios. Acontece que uma pequena parcela da
população brasileira as conhece e sabe de seu potencial. Pensando nisso, acaba
de ser lançado o livro Local Food Plants of Brazil (Plantas
Alimentícias Locais do Brasil), que traz a composição de plantas comestíveis da
Caatinga, Cerrado, Pampa, Amazônia e Pantanal.
Publicado
pela editora Springer, o livro foi organizado pelos
professores Michelle Jacob, do departamento de Nutrição da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN), e Ulysses Paulino de Albuquerque, do departamento
de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). São 21 capítulos
apresentando o trabalho de pesquisadores do Brasil e estrangeiros sobre a
biodiversidade das plantas locais brasileiras e seu papel em dietas
sustentáveis e saudáveis. A proposta é oferecer mais informações sobre a
composição nutricional das chamadas PANC (Plantas Alimentícias Não
Convencionais) e informar como é possível inseri-las como diversificação na
dieta dos brasileiros, inclusive nas escolas.
Michelle Jacob (UFRN) e Ulysses Paulino (UFPE),
organizadores do livro – Foto: Arquivo pessoal
Segundo
Michelle Jacob, o livro é inédito no que diz respeito à perspectiva
multidisciplinar desse campo complexo, embora seja crescente o interesse
acadêmico por plantas alimentícias locais, assunto que se encontra nas
fronteiras do conhecimento de várias áreas, desde nutrição, ciências
ambientais, saúde pública e até humanidades. “Plantas alimentícias locais estão
no centro de dietas sustentáveis porque têm o potencial de tornar as dietas
mais diversificadas e, logo, mais nutritivas. Além disso, o redirecionamento do
nosso sistema produtivo, visando a abarcar as plantas locais, pode fortalecer a
resiliência dos sistemas alimentares frente às mudanças climáticas,
contaminação química por agrotóxicos e emergência de surtos zoonóticos, como é
o caso da covid-19”, diz Jacob.
Alimentação
nas escolas
Chanana é uma entre várias plantas discutidas no
livro – Foto: Ângela Almeida
Os
autores comentam que, atualmente, 60% das calorias consumidas no mundo provém
do trigo, milho e arroz, o que mostra que as dietas da humanidade estão cada
vez mais homogêneas, mesmo em países com a biodiversidade e as tradições das
comunidades originárias como o Brasil. O pior é que, segundo os pesquisadores,
em várias regiões, os alimentos nativos chegam a ser estigmatizados, o que os
tornam ainda menos atrativos.
O livro
traz uma perspectiva desses alimentos também na educação brasileira, a partir
da observação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Plano
Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade (PNPSB) e
de outras políticas públicas. Ao analisar o cardápio de escolas de 221 cidades,
os cientistas observaram que nenhum município das regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste ofereceu a seus alunos alimentos orgânicos. Como única região a
olhar com atenção para esse ponto, todas as cidades do Sul compraram alimentos
regionais, e 21,57% das prefeituras adquiriram alimentos orgânicos para a
merenda escolar.
Monguba – Foto: Ângela Almeida
Uma das
propostas do livro é inspirar pessoas e organismos públicos a promoverem dietas
mais sustentáveis a partir da valorização dos biomas e culturas locais.
Michelle Jacob explica que os autores seguem trabalhando para ampliar a
compreensão sobre esse tema a fim de oferecer, cada vez mais, soluções para a
melhoria do sistema alimentar das populações do Brasil. “Os autores seguem
engajados nas pesquisas em suas diferentes áreas”, reforça a pesquisadora.
Tecnologia a favor da biodiversidade
Para além
de apresentar as plantas brasileiras, o livro Local Food Plants of
Brazil oferece ainda várias outras alternativas de aprendizagens, além
de ferramentas e tecnologias para tornar esse trabalho mais acessível. É o caso
da Neide (NEuralnet IDEntification of unconventional food plants),
inteligência artificial capaz de identificar dez espécies de PANC, criada para
servir como ferramenta educativa nas atividades do Laboratório Horta
Comunitária Nutrir (LabNutrir) da UFRN.
Desenvolvida
tecnicamente pelo professor Elias Jacob, do Laboratório de Governança Pública
(LabGov/UFRN), que trabalha com inteligência artificial, a ideia de criar um
dispositivo capaz de auxiliar na identificação de certas espécies de plantas
foi do aluno do curso de Nutrição, Djackson Garcia.
“Costumávamos
confeccionar sinalização externa em madeira para identificar as PANC, mas a
durabilidade desses marcadores de plantas era curta, considerando que ficavam
expostos às variações climáticas. Além disso, queríamos impulsionar nossas
práticas de ensino com tecnologia, envolvendo nossos alunos e visitantes por
meio de métodos ativos como o mobile-learning. Dessa necessidade
prática, nasceu a Neide”, explica a professora Michelle Jacob, que também é
coordenadora do LabNutrir.
Baseado
na web e usando redes neurais convolucionais (um tipo de
inteligência artificial) para identificar PANC, a robô Neide está registrada
como programa de computador no Instituto Nacional da Propriedade Industrial
(INPI). Seu nome é uma homenagem a Neide Rigo, nutricionista e uma das maiores
especialistas em PANC no Brasil.
Beldroega – Foto: Ângela Almeida
Neide
está programada para identificar dez espécies de PANC: picão-preto (Bidens
pilosa L.), urucum (Bixa orellana L.), clitoria (Clitoria
ternatea L.), trapoeraba (Commelina erecta L.),
cana-do-brejo (Costus spiralis (Jacq.) Roscoe),
trevinho (Oxalis regnelli var. triangularis Miq.), erva-de-jabuti (Peperomia
pellucida (L.) Kunth), boldinho (Plectranthus ornatus
Codd.), almeirão-roxo (Chicorium intybus L. “Roxo”) e beldroega (Portulaca
oleracea L.).
Para
isso, o usuário deve acessar seu endereço eletrônico e fazer o upload da
fotografia da planta que deseja identificar. Após a análise, a robô indica o
nome da planta com o percentual de confiança da sua análise (exemplo: “há 65%
de chance de essa planta ser clitória”). “Os resultados em que o percentual de
confiança de Neide estão abaixo de 50% são omitidos por uma questão de
segurança. Os resultados de 50 – 70% são exibidos em cor vermelha; de 70 – 85%,
em amarelo; e maior que 85%, em verde”, destaca Michelle Jacob.
Fonte: https://www.ufrn.br/imprensa/reportagens-e-saberes/48448/plantas-alimenticias
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