44º Congresso da UBES terminou neste domingo, 15/05, com a eleição da nova diretoria. Jade acredita na união dos estudantes para defender a educação, transformar vidas e mudar a maré
Os milhares de secundaristas
presentes na Plenária Final do 44º Congresso da UBES neste domingo, 15/05,
elegeram a cearense Jade Beatriz como presidenta da União Brasileira dos
Estudantes Secundaristas nos próximos dois anos.
A chapa dela, “De mãos dadas para
defender a escola e o Brasil”, recebeu 84,79% dos votos dos 3655 delegados e
delegadas inscritos. Também participaram a chapa “UBES nas lutas – Oposição”,
que obteve 550 votos, e “Tempos de Guerra”, com 6 votos.
Eleita em um congresso que teve o
lema “Pra fazer do Brasil uma sala de aula”, Jade tem como um dos principais
objetivos de sua gestão a defesa da escola como instrumento e meio para a
transformação social. “Estamos vivendo anos extremamente conturbados para a educação,
com sucateamento, denúncias de corrupção e aparelhamento ideológico no MEC e
corte de recursos”, avalia ela, que promete muita luta pelos sonhos de toda uma
geração.
MUDANDO AS CORRENTES DO MAR
Conheça
Jade Beatriz, nova presidenta da UBES
(Foto: Karla Boughoff)
Quando tinha nove anos de idade, Jade
Beatriz, nascida na periferia de Fortaleza (CE), assumiu uma tarefa. Coordenar
voluntariamente o grupo de dança da igreja na sua comunidade, na zona oeste da
capital cearense. “Eu nem gosto tanto de dançar, mas eu gostava mesmo era de
ajudar a organizar, reunir as pessoas”, conta. Quando lembra de sua infância, a
fala de Jade é recheada das lembranças de sua participação nos projetos
sociais, grupos de jovens, pequenas iniciativas locais perto da sua casa. Onze
anos se passaram. E hoje a jovem cearense, aos 20, assume o cargo mais
importante da vida. Liderar a organização que representa os cerca de 40 milhões
de estudantes secundaristas de todos os 27 estados do Brasil.
A nova presidenta da UBES, negra,
católica, com mãe faxineira e pai vendedor de frutas, filha mais velha de cinco
irmãos, nunca se contentou com a rotina das marés a modelar o seu destino. Ao
invés de esperar as estatísticas de um futuro marcado para o subemprego, a
evasão escolar, a repetição dos mesmos ramos na árvore genealógica preta e
periférica do país, ela desde criança já se movia para ser algo bem diferente.
Depois do grupo de dança, veio o de teatro, aos 12 anos. Depois o grêmio, que
ela ajudou a fundar na sua escola com o nome de Frida Kahlo e do qual foi
presidenta. O feminismo. As causas coletivas. As lutas políticas em defesa da
juventude e do Brasil.
Aluna de um pré-vestibular popular de
Fortaleza, Jade espera agora ser a primeira de sua família a entrar na
universidade. E assume a UBES com a tarefa de recuperar esse sonho para milhões
de meninas e meninos da escola pública do Brasil. “A destruição que o governo
Bolsonaro vem promovendo na área da educação é a tentativa de destruir os
sonhos da nossa geração. Não podemos deixar isso acontecer”, declara. E avisa
que uma das primeiras grandes campanhas da UBES será pela defesa da lei de
cotas no Brasil, que passa por uma revisão no Congresso Nacional neste ano de
2022.
Com formação técnica em logística,
articulada, estudiosa com dedicação dos grandes temas da educação nacional, ela
faz parte do movimento de jovens de todo o país que conquistaram, no ano de
2020, a aprovação do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), recurso fundamental
para as melhorias que o setor educacional precisa no país. “É necessário agora
pressionar pela correta aplicação desse recurso. As escolas brasileiras
continuam sucateadas, não há prioridades nem plano de trabalho para a educação
neste governo. Precisamos também de um novo Plano Nacional de Educação”,
critica, ressaltando ainda o aparelhamento ideológico do Ministério pela
extrema-direita e o recente escândalo de corrupção na pasta.
Jade em ato por “vida, pão, vacina e educação” em Fortaleza, 2021 (Foto: Jonathan Salles/ CUCA da UNE)
A ascensão de Jade no movimento
estudantil brasileiro começou nas reivindicações mais diretas e cotidianas da
sua escola. Quando liderou um protesto contra a qualidade do ar condicionado
nas salas, o movimento dos alunos foi parar no principal telejornal de
Fortaleza e mobilizou a cidade a favor dos estudantes. Já na “Revolta do
Gelinho” (ou geladinho, sacolé, chup-chup), quando denunciou a péssima qualidade
da sobremesa na cantina – doce estragado de goiaba com formigas dentro –
conseguiu atrair a atenção da secretaria de educação e mudar o cardápio para
toda a rede.
Em pouco tempo, estava já nos
encontros nacionais de secundaristas, construindo as pautas nacionais junto à
UBES. Durante a pandemia da Covid-19, ela auxiliou a construção de uma rede
virtual da militância secundarista, para manter as reivindicações do movimento
mesmo em caráter remoto. Em junho de 2021, tornou-se a representante oficial da
entidade no seu estado. E nos últimos meses entregou-se completamente à
campanha “Se Liga Hein” e ao grande esforço para que jovens brasileiros entre
16 e 18 anos tirem o seu título de eleitor. “Vivemos um momento crítico da
nossa democracia e sabemos que o voto da juventude pode fazer a diferença para
recuperarmos o Brasil”, explica.
Apesar de toda a pressão do novo
cargo, Jade demonstra que busca viver como uma jovem normal, da sua idade.
Quando o assunto é música, ela apresenta no histórico do Spotify a sua veia
rockeira e emo, fã de NX Zero, Fresno e Pitty. Mas também é fanática pelo RBD,
grupo mexicano adolescente de sucesso nas últimas décadas. Quando o assunto é
seriado, cita Riverdale e a Maldição da Residência Hill “Sou apaixonada com
terror”, conta. No futebol, torce para o Fortaleza e está empolgada com a fase
do time, que chegou pela primeira vez na história à disputa da Libertadores da
América.
Ao lembrar dos seus nove anos de
idade e do grupo de dança da igreja, Jade cita um amigo que também estava lá.
Pedro Keverton, vizinho, que tinha a mesma idade e cuja amizade se estendeu até
os dias atuais. Diferentemente de Jade, Pedro sucumbiu e perdeu a sua vida
recentemente, após uma trajetória de abandono ao tráfico de drogas e à falta de
perspectiva que faz vítimas de forma estrutural e massiva na juventude negra
brasileira das periferias. “Ele me perguntava o tempo todo sobre o movimento
estudantil e sobre como participar. E até hoje me arrependo de não ter feito
mais por ele”, reflete a estudante, olhando para algum lugar onde as lágrimas
não venham.(Foto: Karla Boughoff)
Jade diz que é privilegiada de estar agora começando uma trajetória diferente dos seus pais, que segundo ela são a sua maior inspiração e referência para a vida. “Quando eu era pequena, minha mãe era faxineira de uma casa onde a filha da família fazia aniversário no mesmo dia que eu. Então ela passou a minha infância levando os restos dos docinhos da filha da patroa para a minha própria festa em casa. Isso diz muito e mexe muito comigo”, expõe.
Durante toda a sua vida até aqui,
Jade sente que está nadando contra a corrente. “Sou uma mulher negra, jovem e
nordestina. Tudo nesse país é feito para que eu desse errado, mas eu estou
aqui.” Mas completa: “Quanto mais a gente nadar juntas contra a corrente, mas
fácil é o mar mudar”. Vinda de uma terra de jangadas e de heróis como o negro
cearense Chico da Matilde, o Dragão do Mar que é racialmente escondido como o
verdadeiro líder da abolição da escravatura no país, Jade avisa que os seus e
as suas não serão mais invisíveis. E que vão mudar o Brasil.
Fonte: UBES
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