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quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Funk no Congresso: uma questão cultural e política

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Por Alexandre Weffort
Na reacção midiática, aqueles que se posicionam contra a proposta estabelecem comparações sugestivas com outras manifestações populares, como a capoeira e o samba, também perseguidos no passado. E, naturalmente, nessa comparação é sublinhada a natureza de classe e o papel dos poderes públicos submetidos aos pontos de vista de uma oligarquia moralista que procura estabelecer a sua dominação através da cultura, prescrevendo alguns comportamentos, proibindo outros.
O traço bizarro da “ideia legislativa” começa pelo seu lado anacrónico. A tentativa de dominação cultural por via da criminalização de comportamentos na esfera cultural é, por si só, um sinal de mentalidade retrógrada (mas que está estabelecida, também, no senso comum). E, nesse âmbito (do senso comum), manifesta-se a primeira contradição interessante: entre os valores sociais em conflito.
Opõem-se direitos sociais geralmente aceites: por um lado, o direito à manifestação cultural (por meio da música e da dança) e ao convívio e, por outro, o direito ao sossego (ao simples prazer contemplativo do silêncio ou ao descanso). Até aqui, estaremos perante interesses contrários mas passíveis de ajuste por via de simples regulamentação.
O sossego e o descanso não são parâmetros de classe (o trabalhador, porque levado à exaustão no processo de exploração laboral, também tem direito – e ainda maior merecimento – ao descanso, ao silêncio e ao sossego).
Mas, a “ideia legislativa” em apreço – da criminalização do funk – envereda por razões de ordem moral. Não se trata da questão musical da prática do funk (enquanto mais uma forma possível de poluição sonora), mas da relação entre forma e conteúdo, da forma em que é concretizado enquanto evento social e do conteúdo das letras.
A “ideia” manifesta-se sobretudo em relação aos conteúdos sexistas, aos apelos à reatividade violenta, em defesa de valores simbolicamente referenciados (“da criança … da família”) e ao modo como se estabelecem as práticas performativas (o funk é apontado, como expressão de “falsa cultura” e os “bailes de “pancadões” como seu espaço performativo).
O paralelo com o Samba é evidente, também nas contradições que o fenômeno musical revela em relação ao próprio processo social. O Samba, como o conhecemos hoje, é um produto cultural marcado pelo processo de abrasileiramento, que encerra as suas próprias contradições.
Hermano Vianna havia já assinalado, em O mistério do samba, o papel da intelectualidade na promoção de um determinado sentido de identidade brasileira, citando um encontro entre Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Moraes Neto: “Com eles saí de noite boemiamente. Também com Villa-Lobos e Gallet. Fomos juntos a uma noitada de violão, com alguma cachaça e com os brasileiríssimos Pixinguinha, Patrício, Donga”.
Como assinalava Vianna, Pixinguinha, Patrício e Donga são guindados a paradigma da “brasilidade”, boemiamente, numa noitada de violão. Seguindo a trilha de Mário de Andrade, Muniz Sodré equacionou a questão do ritmo iterativo em Samba, o dono do corpo, questão também desenvolvida por Enio Squeff em Música-reflexões sobre um mesmo tema. Ambos os autores afloraram a questão da gestualidade do corpo no ritmo do samba, sendo aquela gestualidade um traço cultural que evidencia a raiz africana na cultura brasileira. Mas o samba a que referem Squeff e Sodré é o praticado no terreiro do candomblé e não o samba carioca, “urbanizado” sob a forma de canção, de que trata Vianna .
Todos os condimentos do conflito entre a cultura dominante e o samba , no dealbar do século 20, podem ser revistos no conflito atual, promovido pela mesma cultura dominante, em relação ao funk. Contornando a questão etnomusical (do samba e do funk enquanto géneros musicais populares), procuremos a dimensão que se manifesta no plano político.
Na “ideia legislativa” não é proposta uma regulamentação da prática cultural, mas sim a sua criminalização. A “ideia” segue assim um vincado cunho ideológico, marcado pela judicialização da vida social.
O critério de pertinência, atual, aceite pelo poder legislativo para uma questão ser posta e discutida em sede parlamentar, com vista a constituir letra de lei, é o de um qualquer cidadão propor a sua “ideia legislativa” e obter a aprovação de 20 mil concidadãos. E, cumprido o requisito legal, torna-se obrigação do Senado discutir a “ideia”.
A “ideia legislativa” surge enquanto mecanismo de empoderamento popular, através da participação proporcionada pela abertura do sistema político ao cidadão, através da internet. Mas isso não é garante do sentido popular da “ideia” (e ideias retrógradas têm também a sua aceitação popular).
O funk é uma prática popular, mas podemos assumir que difere do samba no sentido que o este desempenhou no processo de construção da brasilidade. É, antes de mais, um produto da globalização (e a própria globalização revela as suas contradições, também de classe), e não será, por ser popular, necessariamente ou sempre positivo.
Há na “ideia” em apreço, um espaço válido de discussão, mas que terá, para isso, que superar a vertente autoritária da “criminalização” (expressão básica e imediata da ideologia dominante, herdeira dos costumes oligárquicos) e procurar um entendimento mais profundo das questões sociais e culturais.
E assoma-nos a curiosidade de ver como irá o pequeno mundo dos políticos com assento parlamentar, os senadores e congressistas, com as dificuldades que têm revelado em manter (salvo honrosas exceções) a compostura mínima que se exige (a qualquer trabalhador, no exercício profissional e aos políticos) no exercício do seu papel institucional. Os mesmos congressistas, que nos brindaram com a vergonhosa sessão do impeachment a Dilma, vão agora opinar sobre o comportamento social nos bailes funk, eles que praticam quotidianamente, o funk no Congresso?
Para o Portal Vermelho

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