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quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Ações afirmativas são formas de reparação histórica com negros e indígenas


O resgate do histórico de opressão e violência contra as populações negras, quilombolas e indígenas e a necessidade de ampliar o debate e as iniciativas na busca de uma política efetiva de reparação, que inclui ações afirmativas transitórias como a política de cotas nas instituições de ensino superior, foi tema de debate do III Seminário de Reparação e Ações Afirmativas do ANDES-SN, realizado no último sábado (26), e que encerrou o Seminário Nacional Integrado do Grupo de Trabalho de Política de Classe para questões Étnico-raciais, de Gênero, e de Diversidade Sexual, realizado desde quinta-feira (24), em Pelotas (RS).

Alessandra Gasparotto, professora da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), criticou o racismo institucional e contou que a sua instituição foi a última no estado do Rio Grande do Sul a estabelecer uma política de cotas específica para estudantes negros, indígenas e quilombolas, em 2012. No ano seguinte, perceberam que muitas das vagas reservadas não foram preenchidas e iniciaram, então, um diálogo com as comunidades para entender as motivações e quais cursos havia mais demanda.

Além disso, criaram o projeto de extensão “Cotas: um diálogo afirmativo entre a universidade e a escola” que visita escolas públicas da cidade e região para conversar com os estudantes e explicar a política de cotas, quem tem direito e pode acessá-la. “A inserção do debate sobre ações afirmativas nas escolas públicas é central. É preciso ampliar o debate e instrumentalizar os estudantes”, ressaltou. Ela afirmou, ainda, que a política de cotas é algo transitório, mas é importante como ação afirmativa na perspectiva de reparação social. 

Outro ponto destacado pela docente da Ufpel foi o alto índice de evasão dos cotistas, pela falta de uma política efetiva de permanência nas instituições, que não pode se resumir a míseras bolsas. Nesse sentido, Alessandra criticou também o fato dos currículos dos cursos não serem repensados para incluir essa parcela da sociedade que ascendeu ao ensino superior e ainda das universidades terem poucos, ou nenhum, negros, negras, indígenas e quilombolas em seus quadros funcionais.

“A questão do currículo é central, pois os estudantes não se reconhecem na universidade, no conhecimento que é reproduzido. O número de professores negros na Ufpel, por exemplo, é pequeno e não há professores indígenas”, pontuou.

A ausência de docentes e técnicos administrativos negros e negras também foi ressaltado na fala dos participantes, que apontaram dados como o da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) onde num universo de mais de mil professores, apenas quatro são negros. Já na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), há somente três negros num quadro de 800 docentes. Alessandra apontou, diante dessa perspectiva, a necessidade de criação de vagas para negros e indígenas nos concursos para técnicos e docentes, numa perspectiva de transformar essa realidade.

A questão da autodeclaração para o acesso ao sistema de cotas e as denúncias de fraudes nesse processo foram abordadas pela palestrante, que contou sua experiência na Ufpel, como membro de uma comissão que apurou denúncias de fraude no curso de medicina.

“A função da comissão não é dizer quem é negro ou quem é indígena. Usamos critérios como fenótipo, pertencimento e identificação com a comunidade. Parte significativa das vagas reservadas estão sendo ocupadas por pessoas que não são de direito. É uma relação complicada, mas temos que garantir que as vagas sejam ocupadas para quem foram criadas, pois senão, não tem sentido a política pública, a luta pela sua criação e ampliação. E não vamos se conseguir a transformação da universidade”, explicou.

Ela concluiu ressaltando que há, sem dúvida, muitas críticas à política de cotas, e que a mesma é cheia de limites, no entanto é uma ferramenta para avançar. “Qualquer pessoa que trabalha na universidade sabe que as cotas garantiram, de alguma forma, o acesso de negros e negras às universidades. Não isso não se esgota nessa ação. Temos que que ampliar e intensificar a luta”, disse. 

Hertz Dias, do movimento negro Quilombo Raça e Classe, movimento filiado à CSP-Conlutas, reforçou o argumento de que a política de cotas deve ser visto como algo transitório, parte da política maior de reparação. Professor do ensino básico da Rede Estadual de São Paulo, Hertz fez a relação da opressão secular ao povo negro, da organização do movimento e da luta pela libertação e depois pela reparação histórica por anos de violações e escravidão em diferentes continentes como África, Europa e América, destacando os Estados Unidos e Brasil.

Ele destacou, por exemplo, que a União Europeia negligencia dados da questão social na Europa, para não ter que reconhecer a neocolonização. “O tema da reparação parte da constatação da própria burguesia de que o capitalismo cometeu o maior crime da história da humanidade: a escravidão”, destacou.

“Nosso corpo foi transformado em mercadoria, em moeda não metálica, para que a acumulação de Capital se desse na Europa e não no Brasil. E que não houvesse prejuízo com as mortes ocorridas no percurso. O oceano Atlântico é o maior cemitério de negros no mundo”, acrescentou.

O representante do Quilombo Raça e Classe ressaltou que diversas questões relacionadas à reparação histórica são estruturais e estruturantes do sistema capitalista, como a reforma agrária, demarcação de terras, desmilitarização da polícia, acesso à escola pública de qualidade e às demais políticas públicas. Por isso, reforçou a necessidade do movimento negro se debruçar e intensificar a luta por temas mais gerais “que tem muito a ver com a nossa história e o processo de opressão do nosso povo”. E citou como exemplo a dívida externa brasileira, que surgiu durante o processo de abolição a escravidão no país, em um acordo feito com a Inglaterra. “Se a divida externa surgiu por conta da escravidão, defendemos suspensão do pagamento da dívida externa como processo de reparação dos negros”, afirmou.

Ele lembrou a política de eliminação física e biológica da população negra no Brasil e o financiamento da imigração europeia, por exemplo, como forma de embranquecer a população do país para que deixasse de ser uma nação atrasada. Esse processo foi interrompido com a I Guerra Mundial. No entanto, ele afirmou que, ao longo dos últimos cem anos, estamos vivenciando diferentes formas de extermínio da população negra, indígena e quilombola, em especial, em momentos de ascensão da luta por direitos e reparação.

Dias elaborou também a questão do mito da democracia racial e a falsa ideia de construção de uma nova classe média negra no Brasil. “Combater o racismo significa combater o capitalismo também. A promoção da igualdade racial não é o combate ao racismo. Num país em que o povo negro representa mais de 50% da população, permanece o genocídio da população negra. E de acordo com o último atlas da violência no país, dos 10 estados com o maior índice de assassinato de negros, 8 são governados pela Frente Popular”, denunciou.

Hertz refletiu ainda que, numa tentativa de enfraquecer a luta do movimento negro por mudanças estruturais, se investiu na educação como elemento central para resolver os problemas dos negros no mundo. “Com isso, muitos movimentos negros abandonam luta pela reparação e focam na luta pela ação afirmativa. As cotas são uma política transitória, pois os problemas dos negros não vão se resolver dentro do capitalismo”, ressaltou. 

Ele afirmou que o mito da democracia racial está em crise, por isso é necessário atacar a política de cotas. “A cota é a institucionalização de uma descriminação positiva. O Estado se reconhece racista, logo, com isso, se descontrói o mito de democracia racial. Por isso, precisamos lutar pela manutenção e ampliação, mas tendo em vista que é uma política transitória”, reafirmou. 

Em relação aos critérios para avaliação de fraudes no sistema de cotas, bem como para adequação de currículos que permitam a identificação dos estudantes cotistas com a universidade, Hertz sugeriu uma maior aproximação das instituições de ensino com os movimentos sociais que representam essa parcela da sociedade. “É preciso chamar os grupos que estão em debate para discutir os critérios para cotas e a avaliação de fraudes e ainda casar isso com o debate em defesa da universidade pública”, afirmou.

Ao finalizar sua intervenção, Dias alertou para o fato de que toda vez que a luta por direitos avança, aumentam também os ataques. Ele fez referência ao projeto de lei da redução da maioridade penal, criado em 1993, um ano após o impeachment de Fernando Collor, quando ocorreu uma ascensão de organização dos movimentos sociais, políticos e sindicais, com protagonismo da população jovem. E, não por coincidência, esse projeto foi desengavetado em 2014, um ano após as manifestações de julho, quando a juventude foi às ruas por direitos.

“A polarização social que estamos vivendo faz parte da luta de classes. Isso é porque estamos resistindo. Os negros nunca lutaram tanto, se compreendendo enquanto negros, como nesse momento”, concluiu.

Fonte: ANDES
Adaptado por ANE/RN, em 28/09/2017

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