Costume trazido pelos portugueses e espanhóis para toda a América Latina, desde os primeiros séculos da colonização européia, 6, para alguns pesquisadores, seria um resíduo folclórico transfigurado das perseguições aos judeus que se desencadeou na Idade Média, na época da Inquisição.
Para outros, o Judas queimado seria uma personalização das forças do mal, vestígio de cultos para obter bom resultados, no início e no fim das colheitas, realizados em várias partes do mundo. Há ainda alguns historiadores que afirmam ser o costume remanescente da festa pagã dos romanos.
No Uruguai, a queimação do Judas é parecida com a do Brasil, embora ocorra no Natal e não na Semana Santa.
Malhar o Judas ainda é uma prática comum no Brasil, apesar do costume estar desaparecendo das grandes cidades, principalmente por falta de local adequado ou pelos perigos que representa. Hoje, a brincadeira está restrita, praticamente, a algumas cidades do interior do Brasil, que continuam preservando a nossa cultura e tradições populares.
A brincadeira acontece na Semana Santa, especificamente no sábado de Aleluia. Bonecos de palha ou de pano, pendurados em postes de iluminação pública, galhos de árvores, porteiras, currais, são rasgados e queimados.
No Nordeste, é também conhecida como enforcamento do Judas. A cidade amanhece com postes enfeitados com diversos judas: bonecos feitos com um paletó velho, camisa, calça, meias, sapatos, meias colocadas nas mãos, gravata, cujo corpo é enchido com trapos, panos velhos, raspas de madeira e jornais.
O Judas representa o personagem bíblico, Judas Iscariotes, que traiu Jesus Cristo com um beijo por 30 moedas. Consumada a traição, arrependeu-se, tentou restituir o dinheiro, mas, repelido pelos sacerdotes, enforcou-se numa corda.
A brincadeira seria uma maneira dos católicos se vingarem da traição do Judas. Antes do boneco morrer enforcado como o traidor, no entanto, tem que apanhar e ser bastante xingado.
No Rio de Janeiro, no século XIX, os judas traziam fogos de artifício no ventre e apareciam junto com demônios, ambos ardendo colorida e apoteoticamente e sendo aplaudidos pelo povo.
Atualmente, o boneco é feito com a fisionomia de alguma personalidade do mundo político, social, econômico, artístico ou esportivo que não é apreciado pelo povo, merecendo portanto ser ridicularizada, xingada e condenada.
No Brasil, faz-se também o julgamento de Judas, antes da sua condenação e execução. O “testamento” é adaptado ao folclore de cada região. Alguém o retira normalmente do bolso do boneco e o lê. Trata-se de uma sátira das pessoas e coisas locais. A “herança” só tem graça para o povo da cidade que vive o seu dia-a-dia e conhece os personagens com quem a ou a quem o Judas se refere. Seguem alguns exemplos:
Deixo para o Mestre Isaías
Como o Antônio Nel uma questão:
A Antônio Nel diz que sim!
Mas o Mestre diz que não!
Diz que é mentira pura,
Que não como RAPADURA
Acompanhando a procissão
Deixo para o “João da Bela”
O meu canário “parteiro”
Que ele cria como bem
Mas é um “buga” verdadeiro
Vive em casa esvoaçando
Com o João “Curruxiando”
Na tenda de sapateiro
Aqui vai este sapato para o Sr. Antônio
O chapéu para o Sr. José
A gravata para o Sr. Willian
O paletó para o Sr. Aílton
O cinturão para a Sra. Maria
A camisa para o Sr. Geraldo
A calça para o Sr. Cristiano
Nos lugarejos do interior brasileiro, principalmente no Nordeste, o “testamento” é manuscrito, em folhas de papel almaço e distribuído entre alguns amigos. Quando existem tipografias no local, ele é impresso e colocado por debaixo das portas das casas, de madrugada e, às vezes, vendidos pelas ruas.
Lúcia Gaspar
Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco
Nenhum comentário:
Postar um comentário