O povo indígena Mebêngôkre-Kayapó somam hoje mais de 11 mil indivíduos habitando um território que inclui ambas as margens do rio Xingu, no Pará, e o norte do Mato Grosso. Entre ambientes de floresta e cerrado, os diversos grupos da etnia, falante de uma língua do tronco Jê, ocupam uma área altamente impactada pela agroindústria, pecuária, mineração e projetos hidrelétricos, como a Usina de Belo Monte. Esse povo milenar e guerreiro é o foco da nova exposição do Museu Paraense Emílio Goeldi, que também integra a programação do XVI Congresso da Sociedade Internacional de Etnobiologia. A exposição também resgata o legado científico, político e jurídico do Projeto Kayapó, um amplo estudo multidisciplinar coordenado pelo biólogo e antropólogo Darrell Posey (1947-2001), conhecido entre os Mebêngôkre como Yairati.
A mostra "Os Kayapó e Yairati. Saberes e lutas compartilhadas" será inaugurada no dia 7 de agosto e aberta aos visitantes do Parque Zoobotânico do Museu Goeldi no dia seguinte, quarta-feira (8). Além das múltiplas contribuições do Projeto Kayapó, a exposição também aborda as lutas políticas nos âmbitos local, regional, nacional e internacional da etnia em parceria com Darrell Posey. Essa história é narrada através de lendas, memórias dos envolvidos, documentos, painéis, mostra de peças do acervo etnográfico do Museu Goeldi, fotografias, vídeos e também por meio de um aplicativo.
No roteiro da exposição, os visitantes poderão ver mais de 20 peças etnográficas coletadas por Posey. O estudioso se tornou referência no campo científico pelas pesquisas que ajudaram a consolidar o campo da etnobiologia, a postura ética de reconhecimento e valorização do saber indígena e a defesa pela garantia dos direitos e autodeterminação das etnias. Ele impulsionou a formação da Sociedade Internacional de Etnobiologia, que realiza seu 16º congresso, também a partir do dia 7, estendendo-se até dia 10, no Hangar – Centro de Convenções da Amazônia, em Belém.
Wanda Okada, coordenadora de Museologia, explica que os documentos, exsicatas e peças etnográficas em exibição receberam um tratamento diferenciado e passaram por um processo de conservação e restauro minucioso desenvolvido pela pesquisadora portuguesa Maria Miguel Simas.
Projeto Kayapó
Ao integrar competências interdisciplinares, o projeto permitiu uma delicada compreensão da vida e da estrutura do conhecimento milenar dos Mebêngôkre. Sob a liderança de Darrell Posey, o projeto reuniu especialistas de várias áreas, como o entomólogo William Overal, Anthony Anderson (botânica); Elaine Elisabetsky (plantas medicinais); Anne Gély (agricultura); Kent Redford (zoologia); David Oren (aves); Jacques Jangoux (etnobotânica); Susana Hecht (solos); Gustaaf Verswijver (rituais e cerimônias); Márcio D'Olne Campos (astronomia); Eugene Parker (geografia) e Jeffrey Shaw (epidemiologia).
O início do Projeto de Pesquisas Etnobiológicas com os Indígenas Kayapó, ou simplesmente Projeto Kayapó, foi na Universidade Federal do Maranhão, onde Darrell Posey lecionava. Em 1986, já contratado pelo Museu Goeldi para estabelecer o Núcleo de Etnobiologia, Posey (Yairati) reformula o projeto e amplia a rede científica, com o objetivo de enfocar os processos de mudanças causados no ambiente pela presença indígena e suas práticas de manejo. O objetivo final era poder utilizar o conhecimento indígena sobre plantas e animais úteis em projetos de manejo sustentável de recursos nas Terras Indígenas e áreas adjacentes degradadas ou desmatadas pela extração de madeira, mineração ou pecuária.
Atualmente, o Estado brasileiro reconhece dez Terras Indígenas dos Mebêngôkre-Kayapó, que continuam ameaçadas até hoje pelas dinâmicas regionais e, principalmente, pela presença de garimpos ilegais dentro das áreas.
Darrell Posey
Dois anos após ser contratado pelo Museu Goeldi, Posey organizou na capital paraense o primeiro Congresso Internacional de Etnobiologia. Difundia-se, cada vez mais, a certeza de que os povos nativos possuíam um vasto universo de conhecimentos cruciais sobre a utilização sustentável dos recursos naturais, contribuindo para o seu manejo adequado e sua conservação.
Posey "foi uma das pessoas que incentivou os pesquisadores a reconhecerem a propriedade intelectual dos conhecimentos indígenas, por isso criou esse código de ética da Etnobiologia, que é a Carta de Belém, documento elaborado no primeiro Congresso Internacional de Etnobiologia. A atuação dos Kayapó e de Posey influenciou o campo jurídico e também a Convenção da Diversidade Biológica. Um dos artigos reconhece a propriedade intelectual coletiva dos conhecimentos dos povos indígenas e populações tradicionais e recomenda que eles deveriam ser compensados pelo uso que cientistas e grandes empresas fazem desses conhecimentos", descreve a curadora da Coleção Etnográfica do Museu Goeldi, Cláudia Lopez. A Carta de Belém, firmada em 1988, é a base para as discussões desta 16ª edição do congresso.
Os visitantes da mostra, que se estenderá até dezembro, farão uma viagem ao passado mais recente e poderão ter a ideia de como conceitos científicos são formulados e impactam-o .
Fonte: FUNAI
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