Vice-UNE da Bahia, Victor Pataxó fala sobre como a pandemia tem afetado o atendimento de saúde dos indígenas. Leia o artigo:
Em tempos de crise no mundo vemos o quanto precisamos cuidar dos nossos familiares, amigos e pessoas que amamos.Nós, povos indígenas que sempre sofremos grandes ameaças começando com os portugueses, continuando com os grandes fazendeiros. Além de diversas doenças que atacam e nos matam diariamente. Sofremos também com a falta de política de saúde e essa é uma das questões mais delicadas e problemáticas. Sensíveis às enfermidades trazidas por não-indígenas e, muitas vezes, habitando regiões remotas e de difícil acesso, as nossas comunidades são vítimas de doenças como malária, tuberculose, infecções respiratórias, hepatite e doenças sexualmente transmissíveis.
Desde a criação da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1967, diferentes instituições e órgãos governamentais se responsabilizaram pelo atendimento às comunidades. As diretrizes foram alteradas diversas vezes, mas, com exceção de casos pontuais, em nenhum momento a situação sanitária nas aldeias foi realmente satisfatória. Os ataques não acabam, recentemente o governo federal lançou uma proposta de repassar à saúde indígena a estados e municípios.Os direitos a saúde indígenas são de competência federal e o governo não pode fugir jogando a responsabilidade para estados e municípios, pois sabemos das limitações de cada território e da importância de manter a SESAI ( Secretaria Especial de Saúde Indígena), fortalecendo-a ainda mais através de ampliar os investimentos e ter um acompanhamento direto principalmente nas comunidades mais afastada. Mas, graças a luta de diversas lideranças, o ministro da saúde Luiz Mandetta voltou atrás e manteve a saúde indígena vinculada ao seu ministério.
A preocupação dos povos indígenas aumenta ainda mais diante do atual surto do COVID-19, o novo coronavírus, diante a eterna crise da falta de acesso à saúde nas comunidades. No dia 09 de abril foi a óbito um guerreiro Yanomame de 15 anos de idade, que testou positivo para a COVID-19 e havia sido internado no Hospital Geral de Roraima (HGR), em Boa Vista, desde sexta-feira (3). Foram confirmados no mesmo dia 09, mais duas mortes de indígenas por coronavírus. Trata-se de um homem da etnia tikuna, de 78 anos, e de uma mulher da etnia kokama, de 44 anos. Além desses uma senhora borari de 87 anos e um senhor da etnia Muru de 55 anos, que só tiveram os diagnósticos confirmados após terem sido sepultados. A SESAI contabiliza agora 7 casos , seis no Alto Solimões (kokamas e tikuna) , um em Manaus (Baré, isolado).
Os povos indígenas cobram ao Ministério da Saúde e a FUNAI posições sobre as comunidades que correm risco nesse momento, que precisam de acompanhamento médico e suporte para poder se deslocar das comunidades, pois a dificuldade para chegar no hospital é muito grande.Para além disso, existe a grande dificuldade de se manter, pois, precisam sair de suas comunidades até a cidade para comprar alimentos e mantimentos além de muitos desses territórios estarem sendo tomados por garimpeiros que ameaçam a vida desses povos.
Outra fator, são as ameaças aos membros da Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), entidade que tem o intuito de alcançar e evangelizar índios em locais remotos e de difícil acesso, fazem pousos e decolagens ilegais em aldeias mesmo com as recomendações feitas pelo Ministério Público Federal (MPF) de se manterem distantes do contato com indígenas para evitar a disseminação do novo coronavírus. A MNTB ingressou por contra própria dentro de uma área onde há a maior concentração de povos isolados do mundo, colocando em risco a saúde desses índios, contrariando a política de não contato sustentada pela Constituição de 1988.
Os povos originários precisam sobreviver e não dá pra se manter vivo sem alimento e sem saúde. Já foram vários povos dizimados por doenças dos não-índios, pela evangelização, catolicismo, e o coronavírus é mais uma ameaça. As comunidades pedem proteção. Em nota mandada à OMS, a APIB – Articulação dos povos indígenas do Brasil pediu a distribuição de kits para teste de coronavírus. E pede também o fortalecimento orçamentário da SESAI encarregada da administração dos 39 Distritos Sanitários Especiais Indígenas, que segundo a entidade está sendo sucateada após a eleição do atual governo. A nota da Apib reivindica também “medidas de prevenção e atendimento para evitar riscos de contaminação pelo coronavírus nas aldeias, sobretudo naquelas próxima a centros urbanos.” A luta pela vida é diária e a necessidade de ter auxílio do governo e parceiros é mais do que necessário. É momento de cuidarmos um dos outros, não esqueçam de cuidar também dos povos que sempre cuidaram dessa terra.
Para que esses povos não sejam dizimados, o governo precisa acelerar o socorro para que as mortes parem de acontecer. É necessário que testes possam chegar às comunidades, que tenham médicos para atendimento e auxílio como a prevenção das famílias, aparelhos respiratórios em hospitais, cartilhas, materiais de prevenção como máscaras e luvas. É importante também fazer com que a entrada e saídas de não indígenas sejam mais controladas e que às fiscalizações aconteçam também nas aldeias onde diversos garimpeiros estão circulando, levando também ameaças aos povos. Pedimos socorro por nossas vidas, parem de matar nossos povos.
*Victor Pataxó é vice-UNE do estado da Bahia.
Fonte: UNE
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