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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Nordestes mil – as múltiplas narrativas de Juliana Linhares

Por Marcelo Mucida, para @planetafoda*

Foi no teatro que Juliana Linhares se encontrou primeiramente com a arte.

A entrevistada da seção #ArtistaFOdA desta semana nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, e atualmente mora no Rio de Janeiro. Ela conta que acabou entrando num grupo de teatro escolar após uma sugestão feita pela sua mãe, que pensou nessa possibilidade para poder ajudá-la com alguns exercícios de interpretação de texto. “Eu entrei no teatro e mal sabiam eles que o teatro ia tomar a minha vida como tomou. Nem eu imaginava que eu ia me encontrar tanto lá.”

A partir daí, ela começou a se apresentar em alguns lugares e, com 17 anos, percebeu que também tinha uma habilidade para cantar. Mas ela ainda não se entendia como cantora.

“Eu sempre falo isso. Quando você é cantor ou cantora, você tem mais noção do que a sua voz representa ou do que ela pode representar, ou pelo menos deveria ter. Porque na hora que você se coloca como cantor, a pessoa está muito ali para te ouvir. Eu sinto que eu sou cantora desde o momento em que eu entendi que podia assumir esse lugar, que eu sabia o que estava dizendo, que eu sabia o que estava fazendo.”

Dona de uma voz potente, Juliana já se apresentou por muitos palcos pelo país, seja com a banda Pietá, que surgiu em meados de 2011, quando ela estudava direção teatral na UNIRIO, ou até mesmo com espetáculos musicais, dos quais ela fez parte do elenco. A artista também integra o projeto Iara Ira ao lado de Duda Brack e Julia Vargas. Partindo da imagem de Iara, tradicional figura do folclore brasileiro, o projeto surgiu com a ideia de unir, pela primeira vez, três das destacadas vozes femininas da jovem geração da MPB, para então rever esta lenda, tirando a sereia do imaginário de um canto letárgico e nostálgico. As canções de Iara Ira estão disponíveis nas plataformas digitais e podem ser acessadas aqui.

Foto: Marcelo Rodolfo

Sobre o surgimento da banda Pietá, que também é composta por Frederico Demarca e Rafael Lorga, ela comenta: “Foi um momento de descoberta de uma autoralidade, de diferentes formas. Tanto dentro da banda, com um processo de música autoral, que era uma coisa muito nova pra mim como, ao mesmo tempo, pude também descobrir a autoralidade da minha própria voz, nesse estudo do canto.”

De lá pra cá, 2020 foi um ano que abriu também novas possibilidades na sua carreira, a partir do lançamento do seu primeiro trabalho solo. “A minha identidade como cantora se tornou muito misturada com a identidade do Pietá. E foi muito difícil pra mim entender quem eu era. É muito doido quando você é cantora de uma banda e lança um trabalho solo”.

Em dezembro do ano passado, ela lançou o EP “Perdendo o Juízo” como uma primeira experiência no campo das composições. “Eu vim amadurecendo uma coisa no meu coração, entendendo que eu precisava compor, que eu estava com a necessidade de me colocar dessa forma no mundo. De entender que eu posso, que eu sou capaz sim, e que eu não preciso me comparar às composições do Pietá. Então, no meio do processo do disco que eu estou preparando para este ano, eu fui convidada para participar de um lançamento de uma aceleradora de mulheres do Rio Grande do Norte, de Natal, chamada Pólen Aceleradora, e elas resolveram fazer um desafio que era desenvolver em 02, 03 meses um EP de 03 canções, com 03 vídeos de apresentação, produzido por mulheres.”

Juliana convidou a cantora Josyara, que é sua amiga, para poder assinar a produção musical deste trabalho. “Foi uma estreia nossa e foi muito importante para a nossa relação.” O EP conta também com outras parcerias, como é o caso do single que dá nome ao trabalho – uma composição desenvolvida em conjunto com Julia Branco, que também participa dos vocais da música.

Assista ao vídeo oficial de “Perdendo o Juízo”.

Mas é em 2021 que Juliana acredita que acontecerá de fato a sua estreia numa carreira solo. Ela lançará ainda no primeiro semestre o disco “Nordeste Ficção”. Para o desenvolvimento deste trabalho, ela compartilha que foi buscando entender sobre o que poderia falar e sobre o que seria interessante da sua voz falar nesse momento.

“Dentro de tudo isso, eu escolhi um tema que é o Nordeste Ficção, que é a invenção do Nordeste. E eu queria trazer para o disco, trazer para esta pauta do trabalho, neste momento, esta discussão. A discussão de um Nordeste inventado, que data de algo muito recente. De um Nordeste inventado após o surgimento de um regionalismo como conceito, e de como isso foi estabelecido, instaurado, reproduzido e continua sendo repetido até hoje, inclusive através deste disco que eu vou lançar. Eu não quero com o meu disco quebrar nada. Eu só quero falar sobre isso.”

Ela também conta que este lançamento trará parcerias muito importantes, de pessoas que fizeram parte da sua formação musical, como é o caso do artista Zeca Baleiro, uma referência para o desenvolvimento do seu trabalho.

“No disco, eu queria brincar com as ficções que existem, que a gente estabeleceu, que a gente gosta e que a gente segue. Eu vou seguir defendendo o cuscuz, eu vou seguir defendendo o forró… Mas, ao mesmo tempo, eu quis também brincar com as coisas que são menos esperadas. Eu queria que as pessoas entendessem que o Nordeste sempre é muito mais diverso. Que essas fronteiras estão em eterna modificação. Que as fronteiras não são criações geográficas. Elas são criações de discursos políticos, elas vêm a partir de lutas políticas, então a gente está aqui pra mexer, para fazer essas fronteiras balançarem.”

Foto: Coletivo Clap

A artista comenta que o disco tem um tom festivo e que também aborda outros assuntos que fazem parte das suas vivências. “Fiz uma música que é uma lambada divertida para uma mulher, e durante o show eu quero poder falar sobre isso, quero fortalecer esse tipo de afeto, de amor, de relacionamento, de existência.”

Ainda conversando sobre o que motivou esta criação, ela conclui: “Ser nordestino é muito complexo. A gente é muito múltiplo, a gente é muito diferente. Cada estado é uma coisa… E colocaram a gente numa mesma massa. Ao mesmo tempo, não é só que colocaram, mas a gente mesmo reproduz também um tipo de história do Nordeste que nos faz permanecer em alguns lugares, com dificuldade de virar essa chave. Eu quero mais é poder falar sobre as fronteiras fluidas, sobre o discurso político potente de transformação. Poder entender como a gente foi parar nesse lugar, quais são os feitos midiáticos que fazem a gente ser dessa forma, o que a gente incorporou e reproduziu, e como a gente pode modificar isso a partir do momento em que tomamos consciência e entendemos que estamos vivos. Que Nordeste é esse que a gente quer agora? Eu quero seguir nessa construção viva e não enraizada. Esse lugar enraizado do Nordeste é equivocado, ele é fake. A gente está livre para poder fazer acontecer.”

Para acompanhar os novos trabalhos de Juliana, é só seguir o seu perfil no Instagram: @xulianalinhares. A banda @pieta_ também está por lá, e ela adiantou que logo mais será lançado um novo single do grupo, ainda em fevereiro.

Acompanhe a seção #ArtistaFOdA, que se propõe a semanalmente apresentar trabalhos de artistas LGBTQIAP+ das mais diversas linguagens, e siga @planetafoda.

*@planetafoda é a página de conteúdos LGBTQIAP+ produzidos pela rede FOdA, da Mídia NINJA, junto a colaboradores em todo o Brasil.

Foto: Prix Chemical

Foto: Renato Mangolin


 POR NINJA

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