Acabei de rodar 16 km
para encher um galão de água, se tivesse [água] aqui no corixo eu não ia tão
longe”.
O relato de Grandão faz referência à
distância percorrida por ele e seus companheiros de brigada para garantir água
aos que estão na linha de frente do combate às chamas, que, com o vento podem
atingir até dez metros de altura. Pantaneiro nascido e criado, Grandão trabalha
na ONG Panthera, que busca proteger e conservar a onça-pintada e seus habitats.
Segundo ele, este ano o fogo não está espalhado como no ano anterior, mas a
seca severa dificulta o combate, aumentando o risco que todos temem, o avanço
do fogo descontrolado.
Grandão relembra os dados alarmantes das queimadas no pantanal mato-grossense em 2020, ano em que foram registrados mais de 22 mil focos de incêndio, segundo dados do programa de monitoramento de queimadas do Inpe, o que representa o maior número de focos desde 1998. Para se ter ideia, em agosto do ano passado foram registrados quase quatro vezes mais focos de calor comparado ao mesmo período deste ano. Em agosto, foram 5.935 focos de incêndio em 2020 e 1.505 em 2021.
Na maior planície alagada do mundo, a
água desapareceu e já é perceptível as consequência de um ano que o pantanal
não encheu. A escassez nas planícies não afeta somente o combate ao fogo, mas
também faz com que animais saiam em busca de água em uma corrida pela vida,
passando pelas vielas onde o fogo ainda não chegou.
Ontem salvamos uma família de cervos.
Relata o bombeiro militar Wellingtton. Segundo ele, à medida que o fogo avança, os animais ficam cercados e não conseguem mais sair da área de incêndio, o que, muitas vezes, os leva à morte. É o caso de uma vaca que se viu atolada em meio às chamas e esperava por socorro.
Ao andar na transpantaneira, é possível encontrar animais mortos pela seca, mas um agravamento da situação ainda é temido por muitos, caso os focos sigam aumentando, sobretudo agora que os incêndios alcançam o Parque Estadual Encontro das Águas, que preserva a rica biodiversidade da flora e fauna do pantanal.
Segundo pesquisa publicada em junho deste ano pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Centro Nacional de
Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap) e Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), os incêndios no bioma pantaneiro afetaram pelo
menos 65 milhões de animais vertebrados nativos e quatro bilhões de
invertebrados, com base nas densidades de espécies conhecidas. Ainda segundo a
pesquisa, o número de animais mortos ocasiona impactos imprevisíveis para a
biodiversidade, serviços ecológicos e saúde humana.
Combate
ao fogo
A estratégia de combate ao fogo
adotada este ano se diferencia de 2020. Dessa vez há um apoio aéreo maior, com
a utilização de aeronaves agrícolas que tem capacidade de lançar 1.800 litros
de água por voo. No chão, as equipes atuam principalmente com equipamentos
leves, jatos de água portáteis e sopradores, além de maquinário para abertura
de aceiros. Caminhões carregados com tambores de mil litros auxiliam no abastecimento
às equipes, porém todos dependem basicamente de dois poços artesianos distantes
mais de 40 quilômetros de alguns pontos.
“Aqui tem um poço e alojo quase 30 pessoas. Tem que ajudar, cada um como pode”. João da Silva Rondon, 60 anos, é proprietário de terras na Transpantaneira. Neste ano, abriu a sede da antiga pousada Puma para auxiliar os bombeiros com abastecimento de água, captada em seu poço de 50 metros. Enquanto auxilia os bombeiros, os animais se aproximam e começam a frequentar seu quintal, em um pedido silencioso de água e comida. Macacos, veados, antas e muitos pássaros.
João é uma das pessoas que foram impedidas de auxiliar os animais que clamam por socorro. Essa ajuda já não é mais possível pela sociedade civil, após a publicação de uma nota técnica da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso que proíbe a alimentação e disponibilização de água aos animais silvestres, sendo uma atribuição exclusiva da Sema. Ao percorrer a rodovia Transpantaneira, é possível perceber que o cenário, em relação ao fogo, se diferencia do ano passado. Os maiores focos de incêndio se concentram na região do Pixaim e no quilômetro 100, onde as brigadas têm trabalhado de maneira mais intensiva. São vários agentes atuando em cooperação, Corpo de Bombeiros, Secretaria de Meio Ambiente, ICMBio, brigadas pantaneiras, brigadas de organizações não-governamentais, como a Panthera, SOS Pantanal, É o Bicho, Grad, Pantanal Norte, brigadistas de pousadas, voluntários, uma verdadeira operação de guerra.
O fogo no pantanal tem demonstrado algumas características específicas, ele se espalha de maneira subterrânea – pela matéria orgânica soterrada e por meio dos canais que se encontram secos – e pelo vento, chegando a pular aceiros de cinquenta metros. Durante a madrugada o vento cessa e o fogo esfria até cerca de meio-dia, quando o vento e o calor reacendem as chamas e a coluna de fumaça volta a subir ao céu, seguindo assim até a noite. Durante o período de maior intensidade do fogo, as aeronaves atuam para controlar a progressão do incêndio.
Com
a dinâmica do vento e do calor, os dias no combate se repetem, fazendo com que
o cansaço seja extremo. “Enquanto a gente apaga de um lado, do outro o fogo já
pulou. A aeronave ajuda do céu e a gente não pode desanimar aqui embaixo”,
relata uma bombeira militar que atua na linha de frente.
“Nós estamos vivendo
guerra! Guerra tem que ter equipamento, mas também tem que ter logística.”
Afirmou o presidente do Comitê Nacional de Gestão de Incêndios Florestais (CONAGIF), coronel BM Paulo Barroso, que defende o trabalho preventivo, para além da resposta. Segundo ele, o trabalho permanente é fundamental para prevenir o agravamento dos incêndios florestais, ação que impactaria também no orçamento público. O depoimento foi concedido durante visita técnica da Assembleia Legislativa de Mato Grosso coordenada pelo deputado Allan Kardec, juntamente com a OAB, Procuradoria do Estado, políticos, cientistas e pesquisadores da UFMT e UNEMAT.
Em 2021 os recursos orçamentários para o Ministério do Meio Ambiente foram de R$ 2,9 bilhões, o menor patamar da série histórica de um levantamento feito pela Associação Contas Abertas com dados desde 2010. Esse montante é 9% inferior aos recursos orçados no ano passado. Para se ter uma ideia, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) teve o orçamento de R$ 127 milhões, 27,4% a menos em relação a 2020 e 34,5% em relação a 2019.O
Incertezas
Se outrora o bioma pantaneiro durante a estiagem apenas reduzia as regiões de alagamento, mantendo ainda um curso natural da água e acumulando alguns corixos pela rodovia, em 2021 das mais de cem pontes que sobrepõem rios, canais e pequenos riachos pelo percurso, menos de 10% possuem água.
Fonte: ttps://midianinja.org/news
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