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sábado, 5 de outubro de 2019

O TEATRO DE LULA É UM ESPETÁCULO

ARTIGO
ALEXANDRE SANTOS DE MORAES, professor do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense 
Na última semana, o promotor Deltan Dallagnol defendeu que Lula cumprisse o restante da pena em regime semiaberto. Reunido com advogados e companheiros de partido, o ex-presidente recusou o pedido de progressão de pena. Em carta, repetiu a frase que já se tornou célebre: “Não troco minha dignidade pela minha liberdade”. Tem início um debate que envolve não apenas as mixórdias da jurisdição, mas reflexões que o caráter excepcional da recusa provocam. A liberdade é um direito que pode ser livremente recusado por quem dela se beneficiaria ou um dever que, na contramão da própria noção de liberdade, deve ser exercido a despeito da vontade?
Não é um tema novo na Filosofia, mas raras são as oportunidades em que essas reflexões se materializam na vida comum. De todo modo, a decisão inusual de Lula abriu espaço para discussões políticas. Pelas redes sociais, vi pessoas da direita fascista e da esquerda cirista acusarem-no de “estar fazendo teatrinho”. No primeiro momento, achei uma crítica rasa e medíocre, mas agora decidi acolher a metáfora.
A peça está aberta. Muitos aguardam e lutam pelo final que gostariam de assistir. A plateia está exultante, como Brecht gostaria de ver: à direita do palco, aqueles que defendem o encarceramento perpétuo; à esquerda, os que gritam pela libertação apoteótica. Essa divisão também parece envolver a disputa pelo protagonismo e antagonismo.
Alguns querem que Deltan Dallagnol seja o personagem principal. Eles defendem o menino cristão de Curitiba, de face rosada, que viveu seus melhores anos trancado no quarto estudando para concursos públicos e que da vida não conhece nada. Outros defendem o protagonismo de Lula, o imigrante nordestino que conheceu o amargo da vida, que lutou pela via sindical, fundou o maior partido de esquerda da América Latina, foi o presidente mais bem avaliado da História e se tornou vítima de uma tenebrosa farsa judicialesca.
Seria uma competição muito naturalmente injusta, mas o cenário dessa tragédia política não foi o palanque em que Lula sempre atuou, mas os tribunais nos quais Dallagnol passou parte da vida adulta ensaiando. O ex-presidente sabia que a disputa seria difícil, mas resolveu bancar essa peça que começou há mais de 500 dias.
Primeiro Ato. É exarada a condenação de Lula. Tem início a ilusão dramática e o público se vê diante do impasse: ele se entregará ou fará a opção pelo exílio? É bem provável que muitas pessoas próximas a Lula tenham recomendado a fuga, mas isso, de alguma forma, encerraria o espetáculo. Distante do palco, não teria como atuar e disputar as flores ao final da peça.
Lula decide se entregar, mas não sem preparar uma cena monumental: monta um palco em São Bernardo do Campo, no Sindicato dos Metalúrgicos, e faz um discurso inflamado. Era uma missa ecumênica. No palco, aliás, além dos políticos, muitos artistas famosos fizeram fala. As músicas foram escolhidas a dedo pelo próprio Lula. Seu monólogo foi particularmente inspirado e levou a plateia ao delírio. Não faltou quem colocasse o próprio corpo entre ele e a Polícia Federal. As câmeras da televisão transmitiam do alto de prédios ou helicópteros. Após muita resistência, e fora do prazo legal estabelecido, Lula consegue se entregar e vai pra Curitiba. Ele controlou o tempo.
Segundo ato. Começam as entrevistas. Alguns coadjuvantes, como a juíza federal Carolina Lebbos, tentam impedir que Lula permaneça em cena. A decisão é por censurar sua fala. Não tarda, porém, para que as movimentações políticas denunciem o regime de excepcionalidade jurídica. Esse não era o roteiro que o Judiciário esperava, mas são obrigados a ceder. Ainda que fora do cenário que gosta de atuar e sem a presença do povo que nunca cansou de aplaudi-lo, Lula começa a falar para a imprensa. Tentaram ganhar protagonismo isolando o competidor, mas ele voltou à cena em excelente forma física e com figurino impecável. Suas falas permanecem pontuais e envolventes, resultado da experiência que acumulou nos palcos da política. Os debates continuam e Deltan Dallagnol sabe que um power point não será mais suficiente para que os holofotes o iluminem.
Terceiro Ato. Tem início a “Vaza Jato”. A série de reportagens que começaram com o The Intercept Brasil renovaram a disputa cênica. Deltan Dallagnol e Sérgio Moro (não podemos esquecê-lo!) tentam ficar na ribalta, escondidos. O primeiro foge feito galinha dos convites feitos pelo Congresso Nacional; o segundo, que não pode fugir, pois se assumiu político, vai e não diz nada. Suas falas são monótonas, pouco criativas, sem emoção. Não encantam ninguém. Mais do que isso, o enredo da tragédia começa a se desenhar tal como Lula, desde o início de preparação do espetáculo, previa.
Estava claro que o núcleo da narrativa era o uso político do sistema de Justiça. O Ministério Público, como se sabe, só tinha convicções; agora, há provas que mostram que o único que conhecia o enredo era exatamente quem tentaram fazer de algoz. Só por isso é que as matérias da imprensa não funcionaram como um deus ex-machina, aquela solução abrupta celebrizada no teatro clássico de Eurípides. De alguma forma, Lula deu um spoiler, quase como um oráculo, e fez com que a tragédia toda se desenrolasse como também os gregos faziam muito bem: antecipando o final e atribuindo os rumos à Moira, ou seja, ao Destino.
Quarto Ato. Deltan pede a Liberdade de Lula. Percebendo que o enredo caminha para um desfecho trágico, o ator faz uma tentativa desesperada de controlar os rumos da peça. Acuado, tenta decidir como será a vida de seu adversário, como se fosse ele a controlar um títere para manter-se no centro do palco. Acontece que Lula inverte o jogo e assume os pauzinhos da marionete, deixando Dallagnol envolvido pelos movimentos que ele próprio faz. Lula recusa a liberdade (quem recusaria?) para aumentar a tensão dramática e inverter o foco da ação. Tem início a disputa, a contenda, o agón: de um lado, aquele que encarcerou lutando pela liberdade do condenado para conseguir protagonismo; do outro, o encarcerado recusando a liberdade para constranger o carrasco. Cria-se uma abertura no drama. Não há solução fácil.
O Brasil e o mundo aguardam os próximos atos. Dallagnol tentou ser o ator principal de uma tragédia que ele próprio se propôs a dirigir. O problema é que, como dizia o saudoso Antônio Abujamra, “há uma zona negra no palco que é do ator e que o diretor não entra”. O cenário burlesco foi montado por eles para ser hostil a Lula, mas ainda que os elementos cênicos envolvam as características de um tribunal, o conteúdo da peça é político, e disso o rapazote de Curitiba, com sua pele lisa e rosada, não entende absolutamente nada. Quem sabe mesmo é o barbudo nordestino, que se sente confortável nesse palco. Agora, os procuradores se tornaram reféns do processo penal do espetáculo que eles mesmos criaram.
No início, poderíamos pensar que tudo isso seria um típico teatro do absurdo, que deixaria Beckett e Ionesco morrendo de inveja, mas Lula fez virar uma comédia de vaudeville, fazendo os procuradores de palhaços que caem, rolam e gritam numa tentativa miserável por algum riso da plateia. Os bastidores são terríveis e cada ato aumenta nossa angústia, mas a estética teatral é espetacular. Não há Shakespeare nesse mundo que produzisse obra de tamanha grandeza, e o final só pode ser um: Lula Livre!

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