Depois de mais de dois anos, a Polícia Federal concluiu a investigação sobre o maior derramamento de petróleo da história do Atlântico Sul e indiciou a empresa, o comandante e o chefe de máquina do navio de bandeira grega, NM Bouboulina como responsáveis por despejar o material na costa brasileira
De acordo com a PF, a investigação coletou indícios de que o navio NM Bouboulina foi responsável pelo vazamento e que a empresa Delta Tankers, o comandante Konstantinos Panagiotakopoulos e o chefe de máquinas Pavlo Slyvka deixaram de comunicar às autoridades o lançamento do material no oceano. O despejo pode ter sido proposital ou para limpeza dos tanques.
As primeiras manchas de óleo surgiram em 30 de agosto de 2019, nas praias da Paraíba, e já na primeira semana de setembro, chegaram a outros cinco estados do Nordeste: Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Ceará e Pernambuco.
Ao todo, foram 11 estados atingidos, incluindo mais de 50 unidades de conservação. Cerca de 5 mil toneladas de resíduos foram recolhidas, grande parte, por moradores de comunidades tradicionais e moradores de localidades que dependiam do turismo para sobrevivência.
A comunidade de Jardim, no município de Fortim (CE) foi uma das comunidades atingidas. A pescadora Maria Eliene do Vale, a Maninha, disse à reportagem da Mídia NINJA que é difícil relembrar o que passaram, a começar pela tensão de que a mancha chegaria ao litoral. A solidariedade entre as famílias é que garantiu a sobrevivência.
“Você sabe o que é ver seu filho com fome? Muita gente ficou até com problema psicológico. E além do mais, fomos nós que limpamos a praia, nós que fizemos todo o trabalho. O Ibama chegou a tempo de nos ajudar a criar uma barreira para evitar que as manchas adentrassem o rio Jaguaribe”.
A comunidade de pescadores e marisqueiros da região fez de tudo para impedir que elas chegassem ao manguezal, mas chegaram. É lá que ela pesca mariscos.
“Ninguém queria comprar o pescado e nem o marisco, ainda mais se viesse do Jaguaribe. Muitas mulheres têm na pesca de mariscos a única fonte de renda para cuidar de suas famílias, muitas, sozinhas. Então, foi bem difícil”. Ainda mais, que a comunidade tradicional não recebeu apoio da prefeitura.
“Eu tenho 50 anos. Não tinha nem 10, já pescava. Mas eu nunca tinha visto algo assim. Os sururus morreram todos. Foi há pouco tempo que conseguimos encontra-los de novo, mas de outro lado, as ostras sumiram. Pesquisadores disseram que têm relação com a salinidade, mas eu não acredito nisso não, porque isso nunca aconteceu antes e foi justamente depois do derramamento de óleo”.
Nestes mais de dois anos, apenas três pescadores, da comunidade com 120, conseguiram receber recurso prometido pelo governo federal, após uma ação civil pública ajuizada em fevereiro do ano passado pela Defensoria Pública da União no Ceará, a Justiça acatou o pedido de indenização a todos os pescadores profissionais artesanais e marisqueiras atingidos pelo derramamento de óleo no litoral cearense, e não apenas àqueles que possuíam Registro Geral de Pesca (RGP) ativo.
“Mas eu sou uma das que tentou e não conseguiu. Só mesmo estes três pescadores que têm RGP (carteira de pesca). Não sabemos quais são os critérios, porque outros não conseguiram. Segundo a colônia, veio uma lista do governo”. Pescadores sempre encontram dificuldades burocráticas para se cadastrarem ou renovarem a carteira de registro.
“E quando as coisas estavam voltando ao normal, em fevereiro de 2020, a pandemia veio e mais uma vez, saímos prejudicados”, desabafa. Segundo Maninha, os pescadores ainda aguardam a tão prometida indenização.
Prejuízo para o governo?
A Polícia Federal, ao divulgar o resultado da investigação apontou que houve um dano mínimo de R$ 188 milhões para o governo federal e que ainda elabora um laudo do valor total que vai considerar outros fatores como o prejuízo às comunidades pesqueiras e ao turismo.
Ao saber das declarações da PF, Raimundo Silva, o Siri, avalia que é muito frágil o desfecho. “Não deixa claro se serão obrigados a arcar com a responsabilidade pelo crime. Isso precisa ser melhor explicado”. Para ele, o envolvimento dos funcionários pode abrir brechas jurídicas para que a empresa seja isentada.
Ele é morador da comunidade da Onça, que fica em Cairu, Baixo-Sul da Bahia, bem perto da Ilha Boipeba. “A gente já enfrenta tantas lutas, como territoriais com as invasões de grandes resorts, de registro de pescadores, direitos previdenciários… e aí então, vieram as manchas de óleo e a pandemia na sequência”. Depois do desastre, vieram os impactos ambientais, sociais e econômicos, agravados pela crise sanitária.
“Vejo matérias de TV falando que o governo teve um prejuízo milionário. Mas e nós? Fomos nós que sofremos mais. Falam que os governadores fizeram isso, os prefeitos aquilo. Mas o prefeito da minha cidade pediu à população que não se alimentasse com os peixes e mariscos. E daí, até o que tínhamos armazenados nos refrigeradores de semanas anteriores, nem estes conseguimos vender”.
Ele viu também celebrarem a ação do Ibama, da Secretaria do Meio Ambiente, a Marinha. “Mas fomos nós pescadores que tiramos o produto da praia. Não recebemos equipamentos, não tinha instrução alguma, tiramos o óleo do mar, dos corais. Agentes do Ibama, por exemplo, só chegaram dias depois e ficaram sobrevoando de helicóptero”.
Siri ressalta que não houve reconhecimento e tampouco suporte.
Até hoje muitos tentam resolver suas vidas, pois tiveram que contrair empréstimos e outros, que já tinham dívidas, as viram se acumular.
“O governo federal falou de antecipar o seguro defeso, um benefício que recebemos no período de desova. Mas já estava inclusive, devendo a muitos pescadores, defesos anteriores. Daí alguns poucos foram contemplados com auxílios… tinha gente nessa lista, que já tinha morrido! Então, não sabemos quais os critérios o governo utiliza para escolher quem vai ou não receber”.
Então, na pandemia alguns conseguiram receber a primeira parte do auxílio e foi só, porque o governo fez um cruzamento de dados e negou a segunda parcela, alegando que já tinham recebido auxílio.
Siri diz que segue na luta, resistindo. “Afinal, o mar é uma empresa que não fecha. Não demite, não reclama quando eu chego atrasado e não entra em falência. Somos pescadores, empreendedores e nosso empreendimento é livre”.
Andrea Gaivotas, da Comissão Pastoral dos Pescadores da Bahia diz que há muita apreensão dada a falta de perspectiva de reparação a essas comunidades. “Ficaram ainda mais vulneráveis com a pandemia, justo quando começavam a se recuperar”. A demora em se descobrir os culpados também foi motivo de preocupação, porque era algo que outros órgãos já tinham apontado em 2019.
“Acendeu um alerta sobre as ações do Brasil em relação à reparação e mitigação. Falou-se muito sobre os prejuízos das rede hoteleira, bares e restaurantes, mas os pescadores e pescadoras foram invisibilizados. Eles, que usaram braços, mãos e pés para retirarem o petróleo do mar e praias”, diz Andrea.
“Como é que o Brasil vai agir daqui para a frente? Continua investindo na exploração de petróleo, mas não há um plano de contingência. Não há um sistema de monitoramento. O governo demorou muito até para reconhecer que havia um problema. Foram os pescadores e pescadoras que avistaram as manchas! Eles devem ser indenizados e reivindicam ações de reparação”.
Uma CPI foi aberta na Câmara dos Deputados para apurar o caso, mas foi encerrada em abril após limite imposta pelo regimento. À época, a gestão do Ministério do Meio Ambiente foi alvo de críticas de ambientalistas e órgãos como o Ministério Público Federal. Ignorando o problema o quanto pôde, o governo demorou para consolidar um plano de contingência e ainda negou que tivesse demorado na tomada de ações.
Fonte: MÍDIA NINJA
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